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domingo, 9 de março de 2014

Eduardo Cunha: "O PMDB não quer mais cargos"

 O líder do PMDB na Câmara diz que sua bancada não indicará mais ninguém para o governo – e acusa o PT de ter um projeto de “dominação completa do poder político”

O deputado Eduardo Cunha, do PMDB do Rio, é o mestre da articulação política no Congresso. Ninguém conhece as minúcias do regimento da Câmara como ele. Cunha sabe como encontrar as brechas certas para acelerar – ou empacar – qualquer pedaço de legislação. E, o mais importante, sabe como convencer seus colegas a apoiá-lo em seus ardis políticos, quase sempre destinados a retaliar o governo de Dilma Rousseff. Não é à toa que Cunha, embora esteja ainda em seu terceiro mandato, já é líder do PMDB – e principal artífice da aliança de nove partidos e 260 deputados conhecida como “Blocão”. Criticado por líderes do PT, entre eles o presidente do partido, Rui Falcão, Cunha afirma, nesta entrevista a ÉPOCA, que o PMDB não quer mais cargos no governo.

ÉPOCA – O que querem os deputados do Blocão?

Eduardo Cunha – Vou deixar claro primeiro o que não queremos: cargos no governo. Zero, nenhum ministério, nada. Abrimos mão dos cargos. A bancada do PMDB não indicará mais cargos no governo Dilma.

ÉPOCA – É difícil acreditar que o PMDB abdique do que mais gosta...

Cunha – Essa visão do PMDB como um partido meramente fisiológico, que vive mendigando cargos, tem muito de fantasia. É uma fantasia maniqueísta, que dá ao governo o falso argumento de que está, ao não respeitar a base aliada, apenas agindo eticamente, como arauto da moral, resistindo aos maus da política. Balela. Serve para justificar a incompetência do Planalto no diálogo com os parlamentares que deveriam, afinal, integrar um governo de coalizão. E para dizer: “O PMDB é assim mesmo, chantageia o governo até obter mais um ministério”. A gente não quer isso. Aloizio Mercadante: no governo da bronca, o homem do diálogo

ÉPOCA – Qual o propósito do Blocão, então?

Cunha – O Blocão é uma aliança informal entre partidos cansados de ser negligenciados pela articulação política do governo. Alguns dizem que é uma costura feita por nós, do PMDB, para enfraquecer o governo. Não é verdade. É uma aliança sem líder. São partidos que têm uma reclamação generalizada em relação ao governo, mas que querem continuar na base, desde que sejam respeitados. Resolvemos nos unir porque não há mais alternativa de diálogo qualificado. O governo age como se os aliados fossem satélites sem importância.

ÉPOCA – Por que não há mais alternativa?

Cunha – As eleições estão chegando, e os deputados perceberam que o PT, em coordenação com o Planalto, trabalha para conquistar uma hegemonia sem precedentes. Na ponta, o PT usa a máquina, explora programas do governo, como entrega de máquinas agrícolas e ônibus escolares. O deputado do PT tem informação privilegiada do governo e entregará a máquina no município de um deputado do PMDB. Isso produz enorme lucro político. Acontece em todos os ministérios, no país inteiro. O PT elegerá 130 deputados em 2014, saindo dos atuais 87 – o que daria ao partido um tempo de TV recorde nas eleições municipais de 2016. Se o PT aumentar a bancada, muita gente da base aliada percebeu que não voltará a Brasília no próximo ano. Se o partido tiver menos tempo de TV, nossos prefeitos correrão o mesmo risco em 2016. Bateu o desespero em todo mundo.

ÉPOCA – O PMDB só percebeu agora que, ao lado do PT, sempre será vice, um ator coadjuvante, no máximo?

Cunha – Não é questão de hierarquia. É questão do que é melhor para o partido. Há quatro anos, antes de fazer aliança com o PT, o PMDB era maior. Na verdade, a relação PMDB/PT ficará como ocorre com DEM e PSDB. Viraremos o DEM do PT. Um satélite do PT. É isso o que eles querem. O PT tem projeto hegemônico, de dominação completa do poder político. Por isso, sempre terá candidato a tudo, tenderá a ocupar todos os espaços. Isso já ficou claro. O PT não faz um projeto de parceria. É nesse contexto que surge o Blocão. O governo e o PT tratam os outros partidos da mesma maneira. Os deputados se revoltam contra isso.

ÉPOCA – No que dará essa revolta? O Blocão quer ver o circo pegar fogo para o governo?

Cunha – Claro que não. Vamos botar fogo no circo, se estamos nele? Não faria sentido. Tanto que, ao criar essa aliança, fizemos questão de manter o compromisso, assinado pelo PMDB no ano passado, de preservar a responsabilidade fiscal no que for votado no Congresso. Não aprovaremos projetos que causem impacto negativo nas contas públicas. Isso está preservado. Buscamos uma ação política para escolher temas que a gente possa apreciar de maneira independente, que nos ajudem a mostrar serviço para os eleitores. Mas o movimento da aliança – repito – é em reação ao projeto hegemônico do PT.

ÉPOCA – Se é tão ruim para o PMDB ficar ao lado do PT, por que não romper logo a aliança?

Cunha – É algo que terá de ser discutido até a convenção do PMDB, em junho. Se o PT insistir em ocupar todos os espaços, teremos de refletir com bastante atenção se vale a pena permanecer nessa aliança.

ÉPOCA – É o vice-presidente, Michel Temer, que ainda segura essa aliança com o PT?

Cunha – Michel Temer é aquele fiozinho que está arrebentando. Se não fosse a presença do Michel e ele ser uma figura de que a gente gosta, essa aliança tinha tudo para morrer agora. Se a aliança se mantiver, será mais por Michel do que por qualquer outro motivo. Isso não é bom para o partido. Não fizemos uma aliança para ser personalizada. A gente fez uma aliança achando que o PMDB estava entrando no governo. Engano. Não somos consultados a respeito de nada. O PMDB não participa de reuniões estratégicas. O Planalto só se lembrou da gente durante os protestos de junho, quando precisou de apoio. Ajudamos. Fomos leais. Mas eles não foram. "Vamos botar fogo no circo, se estamos nele? Não faria sentido"

ÉPOCA – O que a presidente Dilma Rousseff precisa fazer para acalmar os deputados do Blocão?

Cunha – Ela pode fazer o gesto do respeito político. Ter uma atitude equânime, de respeito a todos. Infelizmente, não acho que dê mais tempo de consertar o estrago político para a maioria dos deputados. Mesmo que o Planalto execute as emendas parlamentares que deveria, como, aliás, havia prometido, temos apenas três meses até que a lei eleitoral proíba o governo de gastar. Mas é possível, para Dilma, enfrentar o problema com respeito. Dialogar conosco.

ÉPOCA – Muitos deputados reclamam que o governo paralisou o Congresso, ao enviar projetos com urgência constitucional, que trancam a pauta. É uma tática deliberada para anular o Congresso?

Cunha – Claro. Quando o governo optou por colocar projetos de urgência constitucional, vários deles, colocou com o objetivo de trancar a pauta. A pauta está paralisada desde outubro, por causa do marco civil da internet. O governo, ao trancar a pauta, impede que os parlamentares exerçam seu papel de legislar. A gente não conseguirá mostrar na eleição absolutamente nada, porque a pauta está trancada. Não temos nada para mostrar para a base. O governo age espertamente. Não quer que se vote nada. Apenas o que ele quer fazer, por medida provisória. É uma forma de tentar controlar o Congresso. Essa é a estratégia política do governo, equivocada. É uma estratégia de curto prazo. Agora, no Congresso não tem bobo. Todo mundo já percebeu. E isso aumenta a revolta.

ÉPOCA – A presidente Dilma Rousseff comenta com auxiliares que o senhor é o principal adversário no Congresso. O que o senhor acha?

Cunha – É, no mínimo, injusto. Se alguém teve um comportamento, como líder do PMDB, ajudando o governo num dos momentos mais difíceis do mandato dela, fui eu. Atuei para derrubar todos os projetos que tinham impacto fiscal. Não faltei com a lealdade em nenhum momento. Agora, você ser leal ou estar aliado não significa subserviência. Sou aliado, porém penso. Tenho opinião. Minha bancada pensa. Tenho de exercer o que a maioria de minha bancada pensa. É ela que me legitima. Tenho de ser respeitado por isso. O PT acha que pode tratar aliados com migalhas: dão as ordens, e os aliados têm de obedecer. Comigo, infelizmente, não é assim. Na visão deles, aliado que questiona ou debate vira adversário.

ÉPOCA – O senhor fará a campanha para a presidente?

Cunha – Se for decisão do partido apoiá-la, sim.

ÉPOCA – E se houver segundo turno?

Cunha – Dependerá do comportamento do PT.

ÉPOCA – Sente saudade do Lula como presidente?

Cunha – Muita. O tratamento do governo do presidente Lula com a classe política foi infinitamente melhor que o tratamento dispensado hoje.

Fonte: DIEGO ESCOSTEGUY - Revista Época.

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