Movimento
surgido na caserna e que já conta com o apoio de mais de cinco milhões
de pessoas quer lançar o general Augusto Heleno, chefe da missão
brasileira no Haiti, para concorrer à presidência da República
Aos 66 anos, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira é um fenômeno que
não aparece nas pesquisas de intenção de voto nem frequenta as análises
políticas convencionais. Na internet, porém, sua eventual candidatura à
Presidência da República tem feito sucesso. Conforme dirigentes de 68
associações de militares da reserva, que costumam refletir o pensamento
de boa parte da caserna, o movimento “general Heleno presidente”
alcançou nas últimas semanas o apoio de 5,7 milhões de eleitores. Uma
ordem de grandeza respeitável em qualquer circunstância. Apesar desses
números, o general Heleno, que foi comandante militar da Amazônia, e
também esteve à frente das tropas da ONU que mantêm a ordem no Haiti,
construindo uma rara liderança fardada nascida após a democratização do
País, tem tudo para se transformar na principal estrela de um movimento
de caráter simbólico. Oficial da reserva desde maio de 2011, ele teria
de ter preenchido alguma ficha de filiação partidária até outubro do ano
passado para poder disputar a eleição e até agora não se posicionou
sobre isso. Seus aliados não confirmam nenhuma vinculação partidária do
general, embora também não descartem a possibilidade de este ser um
segredo estratégico. O certo é que, com o apoio que tem recebido, o
general não será um eleitor qualquer.
POLÊMICO
O general Augusto Heleno: ele disse que a política indigenista do governo Lula era "lamentável, para não dizer caótica"
O sucesso do general na internet tem explicação. Num universo político
em que os principais candidatos têm uma postura que admite apenas
mudanças de tonalidades cinzentas entre o centro e o centro-esquerda,
com receio de descontentar eleitores desconfiados da propaganda
eleitoral, o general apresenta um discurso conservador que um bom número
de eleitores gosta de ouvir. Ele tornou-se uma celebridade instantânea
ao dizer que a política indigenista do governo Luiz Inácio Lula da Silva
era “lamentável, para não dizer caótica,” afirmação que lhe custou o
comando militar da Amazônia. De lá para cá, ironizou o “passado ilibado”
de Renan Calheiros, criticou a política econômica do ministro da
Fazenda, Guido Mantega, e chamou o acordo do Mercosul de um “mero
tratado bolivariano”. Heleno já definiu o ex-ministro José Dirceu como o
“maior colecionador de rabos presos” da República. Aliados e amigos do
general afirmam que, ainda que a legislação impeça uma candidatura
própria, irão entrar na campanha como parte de um “movimento anti-PT.” O
capitão Augusto Rosa, um dos mais ativos aliados do general, faz
críticas ao programa Bolsa-Família que a oposição civil abandonou há
muitos anos. “Estamos criando uma geração de pais vagabundos que não
servem de referência para os filhos.”
O discurso conservador não faz do general Heleno um defensor do golpe
militar de 1964, mas aos mais próximos ele gosta de repetir uma
afirmação pouco convicta sobre os valores democráticos. “Democracia é
quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim”, diz,
citando uma frase cubana. A boa notícia em torno da liderança do general
é que, desde a redemocratização do País, é a primeira vez que se
consolida entre as Forças Armadas um movimento que pretende se valer do
voto e das vias democráticas para colocar suas posições. Os militares
que se articulam em volta de Heleno pretendem formar o Partido Militar
Brasileiro, PMB, que anuncia ter conseguido filiar 490 mil eleitores
para obter registro no TSE – se todas as fichas forem regulares,
faltarão 80 mil para que possa chegar ao registro definitivo. Por
enquanto, a exemplo do que acontece com os simpatizantes da Rede, de
Marina Silva, os candidatos que apoiam a criação do PMB estão espalhados
por outros partidos ou usando o PRTB como “sigla franqueada” para
disputar as eleições de 2014. O deputado comunista Protógenes Queiroz
(PCdoB-SP), delegado da Polícia Federal que fez fama na Operação
Satiagraha, já assinou sua ficha de apoio e milita pela criação do
partido. Através de seu site, Protógenes costuma pedir aos eleitores que
façam o mesmo. Outro aliado seguro é o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ),
que se dedica a organizar o partido no Rio de Janeiro e é um nostálgico
assumido da ditadura. Longe da política, mas famoso no meio militar, o
primeiro astronauta brasileiro, o coronel da Aeronáutica Marcos Pontes,
também fará parte do diretório de São Paulo.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa,
Eliezer Rizzo, analisa a emergência do descontentamento militar como
parte do descontentamento geral do funcionalismo com os salários. No
governo Lula, relembra, o Planalto investiu em plano de recuperação
salarial do funcionalismo e ganhou a simpatia geral, inclusive dos
fardados. Mas essa política foi abandonada no governo Dilma, levando a
uma reação previsível nas repartições e na caserna. Para Eliezer Rizzo
um movimento dessa natureza faz parte natural dos regimes democráticos.
“É preferível ter um partido pró-militares disputando eleições a ter
grupos em atitude de confronto com o sistema democrático. Grande parte
da população considera a democracia como frágil, corrupta, inoperante,
como se um regime forte e antidemocrático não padecesse de situação
similar. Mas o regime democrático pode perfeitamente incorporar essa
iniciativa.”
Os militares estão misturados à política brasileira desde a Proclamação
da República, que foi obra de um golpe militar. Depois de Deodoro e
Floriano, os dois primeiros presidentes, o Brasil teve um terceiro
general presidente, Eurico Dutra. Além deles, no pós-guerra surgiram
dois candidatos competitivos, ainda que derrotados nas urnas, o
brigadeiro Eduardo Gomes e o general Henrique Lott. Uma diferença é que
esses candidatos nasceram no interior de partidos civis, enquanto o
movimento que carrega o general Heleno nasceu no universo militar, em
suas famílias e associações de reservistas. Os militares têm causas que
seduzem muitos eleitores, como o combate às cotas raciais e também ao
casamento entre homossexuais. Sua agenda, no entanto, tem vários
elementos típicos da caserna.
O Partido Militar Brasileiro denuncia a investigação conduzida pela
Comissão da Verdade em torno dos crimes do regime como uma forma de
revanchismo. Embora determinadas atitudes da Comissão possam mesmo
estimular a interpretação de que se trata de um movimento “revanchista”,
ela cumpre um papel necessário, indispensável à democratização que se
defronta com a memória da tortura. No próximo 31 de março, data que foi
retirada do calendário das celebrações militares pela presidenta Dilma
Rousseff, o general Heleno vai dar uma palestra sobre a deposição de
João Goulart para um grupo de maçons de Brasília.
Fonte: Revista ISTOÉ / Fotos: JOEDSON ALVES/AGêNCIA ESTADO/AE, Roberto Castro / AG. ISTOÉ; Anibal Philot / Agência O Globo; Cris Komesu/Folhapress
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