Abandonado,
Raad Massouh entra para a história como o terceiro parlamentar cassado
pela Câmara. Receio da opinião pública e fatores políticos levaram
deputados a romperem acordos que garantiam a absolvição do distrital
Confiante durante a sessão, Raad
Massouh se manteve em plenário até pouco antes do resultado. Foi o único
a não se manifestar nas urnas |
O deputado Raad Massouh (PPL) entrou ontem para a história da Câmara
Legislativa como o terceiro parlamentar cassado pela Casa — os outros
dois são Carlos Xavier e Eurides Brito. Por 18 votos favoráveis à perda
de mandato, três contrários e duas abstenções, os distritais
consideraram Raad culpado das acusações de desvio de emenda. Mas, nos
bastidores, as suspeitas apuradas pela Polícia Civil e pelo Ministério
Público do DF não foram decisivas para a degola. Interesses políticos e
eleitorais e denúncias de extorsão durante o trâmite do processo, além
da antipatia de alguns deputados por Raad, pesaram no resultado.
O placar surpreendeu a maioria dos distritais, já que o próprio
parlamentar do PPL estava confiante de que escaparia e levou até sua
claque para as galerias do plenário. O consenso é de que houve traição. A
votação secreta que cassou Raad foi tumultuada por acusações, troca de
farpas e muita tensão. A sessão começou pouco depois das 16h, com a
presença de todos os 24 distritais. O relator do processo na Comissão de
Ética, deputado Joe Valle (PDT), resumiu o relatório em que pediu a
cassação. “A medida a ser aplicada é a mais severa. As provas
caracterizam quebra de decoro”, disse.
Acompanhado da mulher, Ádila Stemler, e do presidente regional do PPL,
Marco Antônio Campanella, Raad dispensou os advogados e falou durante
quase 20 minutos na tribuna. Argumentou que nunca foi condenado pela
Justiça e garantiu que tem a consciência tranquila. Segundo
investigações do MP e da Polícia Civil, ele teria se apropriado de parte
de uma emenda de R$ 100 mil, destinada à realização de um evento rural
em Sobradinho em 2010. “Eu não iria fazer maracutaia por causa de R$ 47
mil. Se fosse assim, iria fazer por algo que me desse mais vantagem”,
argumentou Raad. E continuou: “A Polícia Federal tem laudo que diz não
haver nenhum indício de que eu tenha me apropriado de recursos da
emenda. Não cometi nenhum delito, estar aqui hoje por conta de uma coisa
tão pequena, sem nenhum crime comprovado, é ridículo”, acrescentou o
distrital. “Sou um homem de respeito, trabalho desde os 14 anos, nunca
precisei roubar. Tudo o que tenho conquistei com suor e trabalho”,
emendou.
Liliane Roriz fotografou o próprio voto pelo celular
Suposta chantagem
O discurso emotivo não convenceu os colegas. O corregedor da Câmara,
Patrício (PT), falou logo depois de Raad e defendeu a cassação. “Não
houve investigação política, o que ocorreu foi um trabalho sério de
apuração, com amplo direito de defesa. Essa Casa é independente”,
afirmou. Chico Vigilante (PT) e Dr. Michel (PP) também subiram à tribuna
para defender a cassação. Chico Leite (PT) lamentou o fato de a Câmara
realizar mais uma votação secreta, por determinação da Justiça.
O episódio da suposta tentativa de extorsão a Raad, como era esperado,
não foi esquecido. Em agosto, o parlamentar do PPL procurou a polícia e o
MP alegando ter sido chantageado por homens que estariam a mando de
deputados distritais. De acordo com Raad, ele teria que pagar R$ 2,7
milhões para se livrar do processo. O caso, em vez de ajudá-lo,
contribuiu para a cassação. “Vossa Excelência foi conivente com dois
marginais. Poderia ter prendido ou expulsado esses homens da sua casa”,
disse Chico Vigilante. “Não sou policial para prender ninguém. Minha
obrigação é procurar o Ministério Público e a polícia, como fiz”,
argumentou Massouh.
Na edição de ontem, o Correio mostrou como votariam sete distritais. Ao
longo do dia, outros decidiram se declarar publicamente favoráveis à
cassação. Na Câmara, nenhum distrital discursou em defesa do colega. Ao
contrário de prognósticos feitos por deputados no início da sessão, o
placar para cassação foi folgado: eram necessários 13 votos para que ele
perdesse o mandato.
Raad foi o único que não votou. Ao todo, 23 deputados depositaram voto na urna, mas, no momento da contagem, havia 24 envelopes. Depois de trocas de acusações sobre tentativas de tumultuar a sessão, o presidente da Câmara, Wasny de Roure (PT), decidiu fazer uma nova votação. Às 19h20, o destino de Raad foi anunciado. O parlamentar havia deixado a Câmara pouco antes, ao lado da mulher, e não ouviu o resultado. A Mesa Diretora decidiu que, assim que a decisão for publicada no Diário da Câmara Legislativa, o que deve acontecer até sexta-feira, o suplente, Paulo Roriz, poderá tomar posse.
Claque na galeria
“Raad, amigo, o povo está contigo!”. Os gritos de correligionários se
misturaram a aplausos, na galeria do plenário, após o anúncio da
cassação do deputado do PPL. Essas foram as poucas manifestações durante
a sessão de ontem. Os simpatizantes do parlamentar eram maioria
absoluta entre os pouco mais de 100 espectadores na parte de cima do
espaço, a única aberta ao público.
Entre os apoiadores de Raad, grande parte era de pequenos produtores
rurais, como Fernando Jesus, 46 anos, morador de São Sebastião. “A gente
vem em caravana. Somos umas 20 pessoas. Defendemos o Raad porque o
parlamentar é o que menos tem culpa nessa questão (distribuição de
emenda). Ele confia no administrador, na prestação de contas dele”,
comentou. Entre os defensores do distrital, também havia muitos
integrante do partido dele. “Estou aqui para defender o deputado e o
partido. Sou pré-candidato a distrital”, declarou Lafer da Silva Barros,
48 anos.
Os mais de 40 homens e mulheres escalados para fazer a segurança dentro
da Câmara — havia mais 20 policiais militares do lado de fora —
impediram a entrada de faixas e cartazes na galeria. Dessa forma,
integrantes do movimento Adote um Distrital, autor da representação que
levou à abertura de processo contra Raad, tiveram de jogar no lixo o
cartaz de protesto com a frase “Será Raad o Donadon do cerrado?”, em
referência ao deputado federal Natan Donadon, absolvido pelos colegas
parlamentares em voto secreto, mesmo após ser condenado e preso na
Papuda. (RA).
24 cédulas e 23 eleitores
Mesmo com dois seguranças legislativos encarregados da cabine de votação, apareceu na urna um voto a mais, o que levou a uma nova rodada. Câmara promete investigar suspeita de fraude praticada por um distrital.
Mesmo com dois seguranças legislativos encarregados da cabine de votação, apareceu na urna um voto a mais, o que levou a uma nova rodada. Câmara promete investigar suspeita de fraude praticada por um distrital.
Ádila, mulher de Raad, acompanhou a sessão com o celular: joguinho |
O distrital Chico Leite foi o responsável por solicitar a investigação |
Benedito deve ser o próximo a ter o futuro decidido pelos colegas |
Antes do início da votação sobre a cassação de Raad Massouh (PPL), ao microfone do plenário da Câmara Legislativa, o deputado Chico Vigilante (PT) fez uma piada. Afirmou que ali não havia risco de ocorrer fraude porque não existia painel eletrônico. Ele referia-se ao episódio da violação do painel do Senado, em que parlamentares souberam como votaram os colegas por ocasião da cassação do mandato de Luiz Estevão, em 2001. A decisão de ontem, na Casa Legislativa do Distrito Federal, seria por meio de voto em papel. Mas, por volta das 18h45, quando todos esperavam o resultado, a Mesa Diretora constatou haver mais cédulas depositadas na urna do que deputados aptos a escolher. A apuração constatou 24 papéis, mas 23 distritais podiam participar da decisão, pois Raad preferiu abster-se.
Depois do constrangimento por causa da suposta fraude, houve bate-boca
entre alguns parlamentares. O presidente da Câmara, Wasny de Roure (PT),
decidiu suspender a sessão e convocar novo pleito. Nenhum voto da
primeira escolha foi divulgado. “Neste momento, temos que repetir a
votação. Quanto mais postergarmos isso, maior será a delonga”, afirmou
Roure. Já Chico Vigilante, que trocou a primeira brincadeira por um ar
sério, sugeriu que ele e mais dois distritais acompanhassem o depósito
dos votos ao lado da urna, o que foi negado. Como no primeiro
escrutínio, os deputados eram chamados um a um, seguindo ordem
alfabética. Após confirmar presença, o distrital seguia sozinho a uma
cabine secreta, ao lado da mesa principal.
O que ninguém conseguiu explicar foi como houve uma cédula a mais,
mesmo com dois seguranças da Câmara ao lado da cabine. Como somente
parlamentares tiveram acesso a ela, pairou a suspeita de que um deles
tentou atrapalhar o pleito depositamdo mais de uma cédula. Diante da
celeuma, o deputado Chico Leite (PT) pediu instauração de sindicância
para saber por que foram encontrados 24 envelopes na urna durante o
primeiro pleito. Wasny de Roure acatou o pedido, mas não explicou como
será feita a apuração nem falou em prazo.
Tranquilo
Raad deixou o plenário e o prédio da Câmara, ao fim da primeira
votação, sem esperar o resultado. Aparentemente tranquilo, ele disse que
seguiria para casa. “O julgamento já foi feito, e o resultado agora
tanto faz. Uma coisa é importante: neste Brasil, a gente vê tanta coisa
ruim, deputado saindo com dinheiro na calça, nas meias, na cueca. Eu não
deveria estar sendo julgado. Eu não cometi crime nenhum. Estou
tranquilo”, afirmou ele, em entrevista exclusiva ao Correio. Durante
toda a sessão, ele se sentou ao lado de Benedito Domingos (PP) — o
próximo na berlinda por ter sido condenado pelos crimes de corrupção e
fraude em licitação. Raad estava acompanhado da mulher, Ádila, maquiada e
bem vestida, com roupas, sapatos e bolsa de grifes.
Mas assim que Wasny de Roure anunciou a segunda votação, o casal, que
já havia deixado a Câmara em um carro preto, com motorista, reapareceu
no plenário. Sentada na última fileira de cadeira, Ádila trocava
mensagens com um dos filhos e jogava Candy Crush no telefone celular. No
cafezinho da Câmara, ao lado do plenário, recebia apoio de
correligionários. Gente como o ex-goleiro do Fluminense e da Seleção
Brasileira, Paulo Victor, funcionário comissionado de Raad e
comentarista esportivo de uma TV em Goiânia. “Além de trabalhar no
gabinete dele como assessor especial para assuntos esportivos, sou amigo
do Raad desde que ele era corredor (o ex-distrital pilotava carros)”,
contou.
Escolha
No sistema adotado pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, os
deputados deveriam escolher entre três cédulas impressas e depositar
apenas uma urna: sim (pela cassação), não, branco e abstenção.
Vaga em disputa judicial
Paulo Roberto Roriz: suplência deve ser definida contra Tatu do Bem |
A Câmara Legislativa vai empossar Paulo Roriz (PP), suplente de Raad Massouh, assim que o resultado da cassação for publicado no Diário Oficial da Casa. Mas o caso deve parar na Justiça Eleitoral. O segundo suplente, Hamilton Teixeira dos Santos (DEM), conhecido como Tatu do Bem, recorrerá para tentar ficar com a vaga. “Estou confiante de que vou conseguir tomar posse. Já há duas decisões no Rio de Janeiro e uma no Rio Grande do Sul nesse sentido”, explicou.
O argumento de Tatu é que o mandato pertence ao partido. Raad e Roriz
estavam no DEM na época da eleição, mas ambos deixaram a legenda. No
caso do distrital cassado, ele migrou para um partido novo, o que não dá
margem a questionamentos. Mas tanto Tatu como o presidente regional do
DEM, Alberto Fraga, querem brigar no Tribunal Regional Eleitoral para
retomar a vaga. Paulo Roriz teve 16.762 votos, e Tatu do Bem, 3.170.
Empresário do ramo de refrigerantes, Paulo Roberto Roriz , 54
anos,carrega o sobrenome do tio, Joaquim Roriz, quatro vezes governador
do Distrito Federal. O parentesco, no entanto, não implica em apoio
incondicional ao clã. É filho de Zequinha, irmão mais velho de Joaquim
Roriz e um dos mais próximos do ex-governador. Paulo disputou três vezes
como distrital. Na primeira, em 2002, perdeu a vaga na Câmara
Legislativa. Mas isso não o afastou da vida pública. Acabou nomeado pelo
tio governador como secretário de Desenvolvimento do Entorno e, depois,
atuou como administrador de Santa Maria, entre 2005 e 2006. Assim,
conseguiu consolidar a base eleitoral.
No pleito seguinte, concorreu novamente a uma cadeira no Legislativo
local e, dessa vez, venceu com 16.762 votos, tendo Raad Massouh como
primeiro suplente. A sintonia com o ex-governador José Roberto Arruda
rendeu ao sobrinho de Roriz o posto de líder do governo na Câmara
Legislativa.
Primeiro escalão
Paulo Roriz abriu mão do mandato em 2008 ao ser convocado por Arruda
para assumir a Secretaria de Habitação e, no ano seguinte, chegou a
acumular o cargo de diretor presidente da Companhia de Desenvolvimento
Habitacional.
Nas eleições de 2010, com Arruda e Joaquim Roriz fora da disputa, Paulo
declarou apoio à tia, Weslian, mas não manteve a posição e entrou para o
time do governador Agnelo Queiroz (PT). Não obteve votos suficientes
para ocupar novamente uma cadeira na Câmara Legislativa. E, por ironia,
viu o então suplente Raad Massouh se eleger e teve de se contentar com a
primeira suplência.
Entre 2011 e 2012, quando Raad se licenciou, Paulo Roriz voltou para a
linha de frente na Câmara. Mas a relação entre os dois nunca foi boa
pela postura “independente” de Massouh, com fama de não cumprir acordos
nem respeitar os redutos eleitorais de seus colegas. No governo Agnelo,
assumiu como secretário de Desenvolvimento da Região Metropolitana. Mas
foi exonerado após fazer críticas à gestão petista.
Apesar de um pedido de desculpas, sinalizou que tem mais afinidade com o grupo arrudista e pode integrar a oposição a Agnelo.
Atuação na Câmara
Como parlamentar, Paulo Roriz aprovou, entre outros projetos, a
proposta que torna obrigatório o fornecimento de protetor solar e roupas
de proteção para empregados expostos ao sol. Também tornou lei a
proibição dos organizadores de eventos de moda contratarem modelos cujo
Índice de Massa Corpórea (IMC) seja menor do que 18.
Troca-troca
Desde que entrou na política, há quase 11 anos, Paulo Roriz trocou de
partido pelo menos três vezes. Elegeu-se pelo DEM, pulou para o PEN e,
agora, está no PP, partido de Benedito Domingos. Recentemente, tornou-se
evangélico e, em breve, será avô.
Fonte: Helena Mader, Kelly Almeida e Renato Alves - Correio Braziliense.
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