Com o respeito que lhe é devido por ter na vida real a honesta
profissão que não raros de seus colegas de Congresso Nacional enxovalham
com sua conduta, registre-se o equívoco do deputado Tiririca ao lançar o
bordão "pior do que está não fica". A mais recente prova de que, na
política, tudo sempre pode ficar pior está nas gelatinosas movimentações
dos partidos para apresentar em 90 dias um projeto de reforma política.
Se o trabalho da comissão criada para esse fim for aprovado, o texto
será submetido a referendo nas eleições de 2014. Os indícios apontam
para o retrocesso.
A se consumar, deixará saudade de algumas das regras atuais, que a
presidente Dilma Rousseff tentou alterar estabanadamente - primeiro, com
a desatinada ideia de convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva
sem a participação do Legislativo; depois, mediante um plebiscito
irrealista em que o eleitor seria chamado às pressas a se servir de um
bufê de propostas de duvidosa digestão, entrando em vigor as mais
consumidas já no pleito do ano que vem. A Constituinte caiu por sua
clamorosa ilegalidade. O plebiscito, por ter sido rejeitado pelo PMDB,
valendo-se da avaliação da Justiça Eleitoral de que seriam necessários
pelo menos 70 dias para realizá-lo, a contar da definição dos seus
quesitos.
Ficou patente, de todo modo, que Dilma quis apenas mostrar-se antenada
com a voz das ruas. Não estava. Embora os políticos e a corrupção se
destacassem entre os variados alvos das jornadas de junho - motivadas
principalmente pelo custo do transporte público e a percepção do
descalabro dos serviços públicos em geral -, apenas uma parcela mínima
dos manifestantes incluiu a reforma política no seu embornal de
demandas. Só que o oportunismo da presidente produziu outras
consequências, além de aumentar o seu desgaste. No PT, assistiu-se à
patética disputa entre os deputados Henrique Fontana, do Rio Grande do
Sul, e Cândido Vaccarezza, de São Paulo, por uma vaga na citada comissão
dos 90 dias, impedindo que o presidente da Câmara, Henrique Eduardo
Alves, a instalasse na semana passada. Ficou para agosto.
Alves deu ao paulista a coordenadoria do colegiado. Amuado, o gaúcho
foi-se embora. Como Henry Kissinger disse certa vez, as brigas por
posições às vezes são inversamente proporcionais à sua efetiva
importância. Para o PT, importante continua sendo o plebiscito, ainda
que para vigorar só em 2016, mediante decreto legislativo. A sua
primeira versão teve o mesmo destino dos lances de suposta esperteza de
Dilma: foi rebarbada até pelos companheiros de viagem do petismo no
Congresso, quando se deram conta de que o texto continha, camufladas,
propostas de adoção do financiamento público das campanhas - a
enganadora resposta petista ao escândalo do mensalão - e o polêmico voto
em lista fechada para deputados e vereadores.
O rol dos quesitos, por sinal, discrepa das "sugestões" arroladas por
Dilma na sua mensagem em favor do plebiscito. No fundo, tanto faz. É
improvável que o PT consiga reunir as 171 assinaturas necessárias para a
inclusão de sua proposta de decreto na pauta da Câmara. Já o que a
cúpula do PMDB prepara é de levar a sério - e recear. O partido fala
pela base aliada muito mais do que o seu rival no governo - ainda mais
nestes tempos de queda da popularidade de sua titular. E o principal
projeto peemedebista é um insulto ao clamor por transparência. Os seus
caciques querem acabar com as doações diretas aos candidatos por pessoas
físicas e jurídicas. Os interessados em patrocinar campanhas
depositariam as suas contribuições na conta das respectivas siglas, que
as distribuiriam entre os seus candidatos.
É uma trapaça. Antes da transferência, financiadores, partidos e
candidatos terão se acertado sobre o destino da bolada. A armação convém
ao doador, porque o seu nome não aparece; ao partido, porque é
praticamente impossível rastrear o percurso do dinheiro que fez escala
nos seus cofres; e ao candidato, porque dele não se poderá dizer, se
eleito, que está a soldo de terceiros. Só o eleitor ficará no escuro.
Isso já existe. Chama-se "doação oculta", contestada pelo Ministério
Público. Só falta instituí-la, desmentindo o iludido Tiririca.
Fonte: Jornal Estado de São Paulo
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