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terça-feira, 16 de julho de 2013

A nova cara do Brasil: Um mês e a Esplanada adormecida

Respostas do Executivo e do Legislativo às demandas populares andam a passos lentos. Projetos esbarram tanto na burocracia estatal quanto na ação de parlamentares para esvaziar propostas

 Manifestantes em frente ao Mané Garrincha: reação modesta dos governantes


Um mês após os protestos terem se alastrado pelas ruas do país, com o ato durante a abertura da Copa das Confederações, em Brasília, em 15 de junho, quando os manifestantes criticaram os gastos excessivos com a construção de estádios, a administração pública pouco mudou desde então. Surpreendida pela mobilização popular e sem entender a motivação inicialmente, a presidente Dilma Rousseff apressou-se em lançar medidas formuladas de última hora. Por causa do improviso, o pacote para atender a demanda das ruas esbarrou em entraves, que vão desde o descompasso com o ritmo da máquina burocrática à falta de debate com as partes envolvidas, além do esvaziamento de algumas propostas legislativas. A própria cobrança em relação aos investimentos bilionários para a realização de torneios esportivos ficou sem resposta.

O Programa Mais Médicos, para estender o atendimento às regiões mais carentes, lançado por meio de medida provisória na semana passada, já vinha sendo gestado pelo Executivo desde 2009, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentava cobranças de melhoria nos serviços públicos. No entanto, foi engavetado na época. Com os protestos, o governo sacou o projeto da manga, alinhavou algumas medidas e o colocou na praça, sem debatê-lo com representantes das partes envolvidas, incluindo as universidades. Por enquanto, está sob uma saraivada de críticas e, no Congresso, recebeu cerca de 200 emendas de parlamentares. 

No Congresso, o ânimo para atender as massas já não é o mesmo. Após o temor gerado no auge dos protestos, que resultou na aprovação de alguns temas em comissões e na rejeição de outros projetos após pressão popular — como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que retirava poderes de investigação do Ministério Público, e o projeto da cura gay —, os parlamentares relaxaram. Salvo casos pontuais, o povo não vai mais às ruas com a frequência do mês passado. Com isso, algumas propostas estratégicas sofreram um refugo. 

Uma delas é o fim do sigilo em todas as votações no Congresso. Embora tenha passado pelas comissões do Senado, a PEC ainda não chegou ao plenário. Depois, ainda precisa tramitar na Câmara, onde há outra propostas em tramitação. O fim da aposentadoria compulsória de juízes e de magistrados como pena administrativa esbarrou no lobby da categoria e foi praticamente abandonado. Outro tema é o projeto que classifica a corrupção como crime hediondo. Aprovado em 26 de junho pelo plenário do Senado, agora está na fila de espera da Câmara. 

Para o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, o Legislativo consegue atender mais rapidamente o anseio das ruas ao aprovar ou rejeitar uma proposta que a população quer. Já o Executivo federal não tem a mesma facilidade. O governo Dilma, disse o especialista, enfrenta o dilema de dar respostas no curtíssimo prazo, temendo o impacto das manifestações nas eleições de 2014. Noronha destacou, porém, que parte das exigências da população requer medidas que demandam tempo. “A melhoria na qualidade do transporte público e da saúde não se faz da noite para o dia, além de depender também dos entes estaduais e municipais”, pontuou. “O problema é que a solução para essas demandas já deveria estar na agenda do governo há mais tempo”, acrescentou. 

“O Executivo vinha entregando aquilo que imaginava que a população queria. É mais fácil e conveniente dar o que consegue entregar”, avalia o cientista político. Um exemplo é o crédito mais barato para o consumo, com a participação dos bancos públicos. O quadro muda quando a população cobra outros serviços. “De repente, o governo, que não estava preparado, coloca toda a estrutura para pensar em alternativas imediatas”, afirmou Noronha. Com isso, medidas de improviso e sem maturação são lançadas. 

Ele lembra ainda que, ao mesmo tempo que propõe mudanças envolvendo setores que não foram consultados, o Executivo não sinaliza o corte de gastos na própria carne, como a redução do número de ministérios e de cargos comissionados. Daí, a percepção de que quase nada está sendo feito de forma efetiva. 

Administração pública

Um conjunto de medidas para profissionalizar a administração pública, simplificando procedimentos burocráticos e melhorando a qualidade dos serviços que o governo presta à população, foi proposto pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento em 2009, na era Lula. Uma delas previa a substituição de cargos comissionados de livre provimento, como os de Direção e Assessoramento Superior (DAS), por servidores efetivos, escolhidos mediante processo interno de seleção. Entretanto, a maioria das medidas não andou desde então. “As demandas de agora foram diagnosticadas lá atrás, mas pouco se fez nessa área”, disse um técnico do governo que pediu anonimato. 

"De repente, o governo, que não estava preparado, coloca toda a estrutura para pensar em alternativas imediatas"
Cristiano Noronha, cientista político
 

Improviso federal 

Conheça algumas iniciativas e projetos criados ou acelerados devido ao movimento das ruas, mas que esbarraram em uma série de problemas, como a burocracia estatal, a falta de diálogo com as partes envolvidas e o esvaziamento das propostas no Congresso 

Executivo 

PROPOSTA 

Desoneração de PIS e do Cofins sobre a receita das empresas de transportes urbano rodoviário, metroviário e ferroviário.

PROBLEMA 

O governo federal diz que não há margem para novas desonerações e, ante a alta inflacionária, será muito difícil conter aumentos no futuro.

PROPOSTA 

Investimentos de R$ 50 bilhões em obras de mobilidade urbana e a criação do Conselho Nacional do Transporte Público. 

PROBLEMA 

Os recursos anunciados já estavam previstos em outros programas. Para agravar a situação, ter o dinheiro não basta, pois o Executivo tem uma deficiência crônica na hora de executar as iniciativas.

PROPOSTA 

Programa Mais Médicos; ampliação de seis para oito anos do tempo da graduação de medicina — período em que os estudantes deverão receber treinamento em serviço exclusivo na atenção básica à saúde e em urgência e emergência no âmbito do SUS; criação de 3,6 mil vagas de medicina nas universidades federais; aceleração de investimentos de R$ 7,4 bilhões já contratados para construção, reforma e ampliação de hospitais e unidades de saúde. 

PROBLEMA 

As medidas anunciadas para a área de saúde refletem uma postura do governo federal repetida na relação com o Legislativo: a falta de diálogo. O Programa Mais Médicos, por exemplo — que, entre outras medidas, prevê a contratação de profissionais, inclusive estrangeiros, para atuar nas periferias de grandes centros urbanos e em cidades do exterior — não foi discutido com entidades representativas dos profissionais de saúde, que criticam pontos da proposta e ameaçam levar o caso à Justiça. 

Legislativo

PROPOSTA 

Fim do sigilo das votações: dois projetos já foram aprovados em comissões das duas Casas. 

PROBLEMA 

O projeto aprovado na CCJ do Senado, que prevê o fim do voto secreto para quaisquer votações no Congresso, precisa ser votado em plenário antes de seguir para a Câmara. Já a proposta apreciada por deputados na CCJ da Câmara prevê a abertura apenas nos casos de cassação de mandatos. A duplicidade de projetos complica a aprovação das duas PECs. 

PROPOSTA 

Arquivamento do projeto da cura gay, que chegou a ser aprovado na Comissão de Direitos Humanos 

PROBLEMA 

Deputados evangélicos já se mobilizam para reapresentar o projeto em 2014 e, se não vingar, anunciaram que o tema voltará em 2015, quando a bancada religiosa deve ser ainda maior. 

PROPOSTA 

Derrubada da Proposta de Emenda à Constituição 37, que reduziria os poderes de investigação do Ministério Público.

PROBLEMA 

Como no caso da cura gay, há movimentação para ressuscitar a proposta em um momento oportuno. 

PROPOSTA 

Aprovação, no Senado, do projeto que transforma em hediondo o crime de corrupção. 

PROBLEMA 

Apesar do avanço na legislação, por tornar o crime inafiançável e dificultar o acesso a benefícios, como progressão de regime, o projeto ainda não foi votado na Câmara e tampouco aumentou significativamente as penas. Apenas a punição mínima de crimes como concussão, corrupção passiva e corrupção ativa aumentaram, mas as penas máximas ficam inalteradas. 

O que foi prometido, mas está empacado 

- Fim da aposentadoria compulsória de magistrados e integrantes do Ministério Público como pena disciplinar. O lobby da categoria, no entanto, prevaleceu, pelo menos por ora. O Senado tentou votar a matéria na semana passada, mas, pressionado, adiou a votação.

- A tão “necessária” reforma política — como a presidente Dilma e alguns congressistas agora tratam o tema — anda a passos lentos e corre o risco de ser esvaziada.

 - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), prometeu o passe livre. O projeto, porém, ainda não avançou. O relator pediu mais tempo para analisar fontes de custeio do benefício.

- O Plano Nacional da Educação (PNE) também ficou suspenso. O governo pressiona para que só seja votado quando a questão dos royalties do petróleo para a área for definida. 

O que efetivamente caminha 

- Aprovação, no Senado, do projeto que facilita proposições de iniciativa popular — aguarda votação na Câmara.

- Aprovação de projeto de lei que pune civil e penalmente pessoas jurídicas por fraudes e crime de corrupção na administração pública, além dos administradores — aguarda sanção presidencial.

- Aprovação, na Câmara, do Estatuto da Juventude, que garante direitos e benefícios a jovens entre 15 e 19 anos, principalmente os de baixa renda, como desconto em tarifas de transporte intermunicipal — aguarda sanção presidencial.

Fonte: Correio Braziliense - Por Ana D'Angelo e Amanda Almeida

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