Respostas do Executivo e do Legislativo às demandas populares andam a passos lentos. Projetos esbarram tanto na burocracia estatal quanto na ação de parlamentares para esvaziar propostas
Manifestantes em frente ao Mané Garrincha: reação modesta dos governantes
Um mês após os protestos terem se alastrado pelas ruas do país, com o
ato durante a abertura da Copa das Confederações, em Brasília, em 15 de
junho, quando os manifestantes criticaram os gastos excessivos com a
construção de estádios, a administração pública pouco mudou desde então.
Surpreendida pela mobilização popular e sem entender a motivação
inicialmente, a presidente Dilma Rousseff apressou-se em lançar medidas
formuladas de última hora. Por causa do improviso, o pacote para atender
a demanda das ruas esbarrou em entraves, que vão desde o descompasso
com o ritmo da máquina burocrática à falta de debate com as partes
envolvidas, além do esvaziamento de algumas propostas legislativas. A
própria cobrança em relação aos investimentos bilionários para a
realização de torneios esportivos ficou sem resposta.
O Programa Mais Médicos, para estender o atendimento às regiões mais
carentes, lançado por meio de medida provisória na semana passada, já
vinha sendo gestado pelo Executivo desde 2009, quando o então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva enfrentava cobranças de melhoria nos serviços
públicos. No entanto, foi engavetado na época. Com os protestos, o
governo sacou o projeto da manga, alinhavou algumas medidas e o colocou
na praça, sem debatê-lo com representantes das partes envolvidas,
incluindo as universidades. Por enquanto, está sob uma saraivada de
críticas e, no Congresso, recebeu cerca de 200 emendas de parlamentares.
No Congresso, o ânimo para atender as massas já não é o mesmo. Após o
temor gerado no auge dos protestos, que resultou na aprovação de alguns
temas em comissões e na rejeição de outros projetos após pressão popular
— como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que retirava
poderes de investigação do Ministério Público, e o projeto da cura gay
—, os parlamentares relaxaram. Salvo casos pontuais, o povo não vai mais
às ruas com a frequência do mês passado. Com isso, algumas propostas
estratégicas sofreram um refugo.
Uma delas é o fim do sigilo em todas as votações no Congresso. Embora
tenha passado pelas comissões do Senado, a PEC ainda não chegou ao
plenário. Depois, ainda precisa tramitar na Câmara, onde há outra
propostas em tramitação. O fim da aposentadoria compulsória de juízes e
de magistrados como pena administrativa esbarrou no lobby da categoria e
foi praticamente abandonado. Outro tema é o projeto que classifica a
corrupção como crime hediondo. Aprovado em 26 de junho pelo plenário do
Senado, agora está na fila de espera da Câmara.
Para o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, o
Legislativo consegue atender mais rapidamente o anseio das ruas ao
aprovar ou rejeitar uma proposta que a população quer. Já o Executivo
federal não tem a mesma facilidade. O governo Dilma, disse o
especialista, enfrenta o dilema de dar respostas no curtíssimo prazo,
temendo o impacto das manifestações nas eleições de 2014. Noronha
destacou, porém, que parte das exigências da população requer medidas
que demandam tempo. “A melhoria na qualidade do transporte público e da
saúde não se faz da noite para o dia, além de depender também dos entes
estaduais e municipais”, pontuou. “O problema é que a solução para essas
demandas já deveria estar na agenda do governo há mais tempo”,
acrescentou.
“O Executivo vinha entregando aquilo que imaginava que a população
queria. É mais fácil e conveniente dar o que consegue entregar”, avalia o
cientista político. Um exemplo é o crédito mais barato para o consumo,
com a participação dos bancos públicos. O quadro muda quando a população
cobra outros serviços. “De repente, o governo, que não estava
preparado, coloca toda a estrutura para pensar em alternativas
imediatas”, afirmou Noronha. Com isso, medidas de improviso e sem
maturação são lançadas.
Ele lembra ainda que, ao mesmo tempo que propõe mudanças envolvendo
setores que não foram consultados, o Executivo não sinaliza o corte de
gastos na própria carne, como a redução do número de ministérios e de
cargos comissionados. Daí, a percepção de que quase nada está sendo
feito de forma efetiva.
Administração pública
Um conjunto de medidas para profissionalizar a administração pública,
simplificando procedimentos burocráticos e melhorando a qualidade dos
serviços que o governo presta à população, foi proposto pela Secretaria
de Gestão do Ministério do Planejamento em 2009, na era Lula. Uma delas
previa a substituição de cargos comissionados de livre provimento, como
os de Direção e Assessoramento Superior (DAS), por servidores efetivos,
escolhidos mediante processo interno de seleção. Entretanto, a maioria
das medidas não andou desde então. “As demandas de agora foram
diagnosticadas lá atrás, mas pouco se fez nessa área”, disse um técnico
do governo que pediu anonimato.
"De repente, o governo, que não estava preparado, coloca toda a estrutura para pensar em alternativas imediatas"
Cristiano Noronha, cientista político
Cristiano Noronha, cientista político
Improviso federal
Conheça algumas iniciativas e projetos criados ou acelerados devido ao
movimento das ruas, mas que esbarraram em uma série de problemas, como a
burocracia estatal, a falta de diálogo com as partes envolvidas e o
esvaziamento das propostas no Congresso
Executivo
PROPOSTA
Desoneração de PIS e do Cofins sobre a receita das empresas de transportes urbano rodoviário, metroviário e ferroviário.
PROBLEMA
O governo federal diz que não há margem para novas desonerações e, ante
a alta inflacionária, será muito difícil conter aumentos no futuro.
PROPOSTA
PROPOSTA
Investimentos de R$ 50 bilhões em obras de mobilidade urbana e a criação do Conselho Nacional do Transporte Público.
PROBLEMA
Os recursos anunciados já estavam previstos em outros programas. Para
agravar a situação, ter o dinheiro não basta, pois o Executivo tem uma
deficiência crônica na hora de executar as iniciativas.
PROPOSTA
Programa Mais Médicos; ampliação de seis para oito anos do tempo da
graduação de medicina — período em que os estudantes deverão receber
treinamento em serviço exclusivo na atenção básica à saúde e em urgência
e emergência no âmbito do SUS; criação de 3,6 mil vagas de medicina nas
universidades federais; aceleração de investimentos de R$ 7,4 bilhões
já contratados para construção, reforma e ampliação de hospitais e
unidades de saúde.
PROBLEMA
As medidas anunciadas para a área de saúde refletem uma postura do
governo federal repetida na relação com o Legislativo: a falta de
diálogo. O Programa Mais Médicos, por exemplo — que, entre outras
medidas, prevê a contratação de profissionais, inclusive estrangeiros,
para atuar nas periferias de grandes centros urbanos e em cidades do
exterior — não foi discutido com entidades representativas dos
profissionais de saúde, que criticam pontos da proposta e ameaçam levar o
caso à Justiça.
Legislativo
PROPOSTA
Fim do sigilo das votações: dois projetos já foram aprovados em comissões das duas Casas.
PROBLEMA
O projeto aprovado na CCJ do Senado, que prevê o fim do voto secreto
para quaisquer votações no Congresso, precisa ser votado em plenário
antes de seguir para a Câmara. Já a proposta apreciada por deputados na
CCJ da Câmara prevê a abertura apenas nos casos de cassação de mandatos.
A duplicidade de projetos complica a aprovação das duas PECs.
PROPOSTA
Arquivamento do projeto da cura gay, que chegou a ser aprovado na Comissão de Direitos Humanos
PROBLEMA
Deputados evangélicos já se mobilizam para reapresentar o projeto em
2014 e, se não vingar, anunciaram que o tema voltará em 2015, quando a
bancada religiosa deve ser ainda maior.
PROPOSTA
Derrubada da Proposta de Emenda à Constituição 37, que reduziria os poderes de investigação do Ministério Público.
PROBLEMA
PROBLEMA
Como no caso da cura gay, há movimentação para ressuscitar a proposta em um momento oportuno.
PROPOSTA
Aprovação, no Senado, do projeto que transforma em hediondo o crime de corrupção.
PROBLEMA
Apesar do avanço na legislação, por tornar o crime inafiançável e
dificultar o acesso a benefícios, como progressão de regime, o projeto
ainda não foi votado na Câmara e tampouco aumentou significativamente as
penas. Apenas a punição mínima de crimes como concussão, corrupção
passiva e corrupção ativa aumentaram, mas as penas máximas ficam
inalteradas.
O que foi prometido, mas está empacado
- Fim da aposentadoria compulsória de magistrados e integrantes do
Ministério Público como pena disciplinar. O lobby da categoria, no
entanto, prevaleceu, pelo menos por ora. O Senado tentou votar a matéria
na semana passada, mas, pressionado, adiou a votação.
- A tão “necessária” reforma política — como a presidente Dilma e
alguns congressistas agora tratam o tema — anda a passos lentos e corre o
risco de ser esvaziada.
- O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), prometeu o passe
livre. O projeto, porém, ainda não avançou. O relator pediu mais tempo
para analisar fontes de custeio do benefício.
- O Plano Nacional da Educação (PNE) também ficou suspenso. O governo
pressiona para que só seja votado quando a questão dos royalties do
petróleo para a área for definida.
O que efetivamente caminha
- Aprovação, no Senado, do projeto que facilita proposições de iniciativa popular — aguarda votação na Câmara.
- Aprovação de projeto de lei que pune civil e penalmente pessoas
jurídicas por fraudes e crime de corrupção na administração pública,
além dos administradores — aguarda sanção presidencial.
- Aprovação, na Câmara, do Estatuto da Juventude, que garante direitos e
benefícios a jovens entre 15 e 19 anos, principalmente os de baixa
renda, como desconto em tarifas de transporte intermunicipal — aguarda
sanção presidencial.
Fonte: Correio Braziliense - Por Ana D'Angelo e Amanda Almeida
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