Estoicismo, fisiologismo e ignorância
Estoicismo, obstinação e sacrifício podem definir a longa sessão de quase 23 horas na Câmara dos Deputados, encerrada às 10 horas da manhã de ontem. No reverso da medalha, verificou-se fisiologismo, radicalismo e ignorância.
Estoicismo por parte do presidente da casa, Henrique Eduardo Alves, que
presidiu os trabalhos sem ausentar-se um minuto sequer, engolindo sapos
e distribuindo gentilezas, tudo na determinação de ver aprovada a
Medida Provisória dos Portos e cumprir seu pacto de lealdade para com o
governo Dilma Rousseff.
Obstinação dos líderes da base parlamentar do governo em não ceder às manobras de obstrução das oposições.
Sacrifício feito pela maioria dos deputados que apóiam o palácio do
Planalto, permanecendo em vigília por quase um dia, sem arredar pé do
plenário. E isso depois de terem passado em claro a madrugada da
véspera, quando se iniciaram os debates. Em suma, 36 horas sem dormir.
Agora, fisiologismo aos montes, tanto por parte daqueles deputados sem
nome, moradores dos grotões, que deram ao governo o troco por não terem
atendidos seus pedidos de liberação de verbas, assim como pela falta de
consideração da presidente Dilma para com eles.
Radicalismo das oposições que quase conseguiram obstar a aprovação da
MP, dizendo-se em obstrução e não aceitando entendimento com as bancadas
oficiais.
E ignorância do governo e seus coordenadores políticos, infensos a
entender-se com os grupos descontentes de sua própria base parlamentar
e, mais do que isso, fornecendo aos jornais de ontem manchetes como a de
que o Executivo estava pronto para vetar artigos do texto a ser
aprovado, mesmo sabendo provir de amplo acordo entre os partidos que o
apóiam.
UM ALERTA, QUASE UM ULTIMATO
UM ALERTA, QUASE UM ULTIMATO
Terá sido a última vez em que a presidente Dilma saiu vitoriosa na
Câmara, se não mudar de estratégia no trato com os deputados de sua
base. Grande foi a reação do PMDB, seu braço de apoio, diante do descaso
com que é tratada a maioria das bancadas do partido. Some-se os
deputados de outros partidos, também descontentes e se verá nos números a
evidência dessa rebelião quase vitoriosa. Entre 513 deputados, são 410
aqueles nominalmente governistas, mas muitas mágicas precisaram ser
feitas para que 257 deles formassem o quorum imprescindível à aprovação
da redação final da Medida Provisória. O presidente Henrique Alves
precisou esticar a sessão, permitindo discursos longos e inócuos dos
líderes, para dar tempo aos deputados da base que em sinal de protesto
tinham ido para casa dormir. Foram acordados e cederam a apelos
para retornar e dar número. Basta fazer a conta e ver que o Executivo
não contará mais com 153 partidários, caso não altere seu
relacionamento com o Legislativo.
QUEIXAS E ACUSAÇÕES
Foram numerosas as agressões trocadas entre deputados da oposição e da
base oficial, com ênfase para o entrevero entre Anthony Garotinho, do
PR, e Ronaldo Caiado, do DEM, sem esquecer que o primeiro acusou o PT e o
governo de aprovarem um texto que beneficiaria o empresário Daniel
Dantas. Mesmo assim, no final, Garotinho alinhou-se à corrente oficial.
Houve até deputado que acusou a bancada da maioria de “mulher de
malandro, aquela que gosta de apanhar”, por conta da humilhação de
ceder ao autoritarismo governamental. Durante a maior parte das 23
horas de debates foi rotina o desrespeito entre os oradores, situação
apenas esmaecida quando ficou claro, na última votação, que a MP seria
aprovada. No fim, para situação e oposição, tudo não passou de uma
demonstração de que a democracia funciona entre nós.
BAIXARIA
Para quem acompanhou tantas horas de discursos e firulas regimentais,
saltou aos olhos um expediente ridículo e histriônico adotado por
montes de deputados, que interrompiam oradores e até o presidente da
Câmara para agarrar um dos microfones de aparte e gritar que “aqui fala o
deputado Fulano de Tal, para registrar que votou com o seu partido”.
Ora bolas, se votaram, o painel de votações registrou e o Diário do
Congresso publicará. Na verdade, essas centenas de intervenções
deviam-se apenas ao desejo desses mal-educados de aparecer na TV e na
Rádio-Câmara. A partir de uma certa hora o presidente Henrique Alves
passou a desconhecer e até a desprezar essas grosseria, sem sequer
agradecer pela comunicação. Essa prática tem-se repetido há anos, mas
nas madrugadas de quarta-feira e de ontem, multiplicaram-se. Uma
lástima.
SENADO OU APÊNDICE?
A Câmara levou os dias que quis, ou que pode, para aprovar a Medida
Provisória, sendo a decisão levada por volta do meio-dia de ontem para o
Senado, o qual, humilhantemente, dispunha de apenas 12 horas para
discutir e votar o texto, sob pena dele caducar, frustrando os
interesses do governo. Transformados em apêndice desimportante dos
deputados, os senadores precisam tomar cuidado para que não germine
outra vez a teve do unicameralismo no país....
Fonte: Cláudio Humberto - Por Carlos Chagas
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