A
ex-senadora Marina Silva cativou milhões de brasileiros com a defesa
intransigente da ética na política, mas novamente deixa escapar uma face
conservadora que já havia atrapalhado sua campanha presidencial
O conservadorismo garantiu a Marina parte dos 20 milhões de votos na campanha presidencial, mas inviabilizou sua permanência no Partido Verde |
Milhões de brasileiros admiram a trajetória da ex-senadora Marina
Silva. De menina pobre e doente dos seringais do Acre à liderança
ambientalista respeitada mundo afora, ela fez da defesa intransigente da
ética um exemplo para a política. Mas a sonhadora Marina tem externado
em diversas ocasiões recentes uma face surpreendentemente conservadora,
capaz de constranger assessores e plantar a semente da dúvida na cabeça
de eleitores fiéis.
Na terça-feira 14, a porção reacionária da
presidenciável veio à tona num debate na Universidade Católica de
Pernambuco. Logo após defender com vigor seu “compromisso com o Estado
laico”, a ex-senadora, evangélica, mostrou-se incomodada com a recente
onda de protestos contra o deputado Marco Feliciano, também evangélico.
Feliciano, como se sabe, assumiu a presidência da Comissão de Direitos
Humanos sob vaias de uma sociedade indignada com suas declarações
homofóbicas e racistas.
Marina, no entanto, resolveu fechar os olhos para as evidências e diz
agora que Feliciano foi atacado pelo simples fato de ser evangélico.
“Tem uma discussão hoje no Congresso, potencializada inclusive por uma
pessoa que foi para a Comissão de Direitos Humanos, o deputado
Feliciano, que não tem tradição de defesa dos direitos humanos”, disse
Marina. “Está sendo criticado por ser evangélico e não por suas posições
políticas equivocadas. E aí a gente acaba combatendo um preconceito com
outro”, afirmou a presidenciável. Segundo ela, se Feliciano fosse ateu,
“não gostaria de dizer que as posições equivocadas dele eram porque ele
era ateu”. O mesmo raciocínio, disse ela, valeria se ele fosse judeu ou
espírita. Diante de uma plateia incrédula, a ex-senadora tentou
suavizar a afirmação comparando o caso de Feliciano com o de Blairo
Maggi, empresário da soja que assumiu a Comissão de Meio Ambiente do
Senado. “O Blairo Maggi não deve ser criticado pelo fato de ser
empresário, mas por não ter tradição de defesa do meio ambiente. A
crítica ao Blairo e ao Feliciano é por suas posições políticas”,
insistiu Marina.
Como era de esperar, as declarações ecoaram imediatamente nas redes
sociais. No Twitter, o parlamentar Jean Wyllys (PSOL-RJ), militante da
causa gay que assumiu um papel de liderança na denúncia contra
Feliciano, acusou a ex-senadora de estar de olho na fatia conservadora
do eleitorado. Em clima de disputa eleitoral, sobrou até para a
presidenta Dilma Rousseff. “Com Dilma e Marina reféns da covardia e de
olho em um eleitorado conservador, as eleições de 2014 serão trevas
profundas”, escreveu. A lógica de Wyllys se apoia no fato de que, nas
últimas eleições, Marina obteve suas melhores votações entre o
eleitorado de classe média e média alta do Rio de Janeiro e de São
Paulo. Na reta final da campanha de 2010, foram temas como aborto e
união homoafetiva que impulsionaram a candidatura da ex-petista e
ex-verde. O posicionamento conservador que lhe garantiu parte dos 20
milhões de votos também acabou por inviabilizar sua permanência no
Partido Verde. Agora, Marina tenta consolidar seu próprio partido, o
Rede Sustentabilidade, e aposta num discurso de modernidade.
A explicação para a defesa pública de Feliciano não se justifica
exclusivamente por questões religiosas. Desde 2007, Marina se aproximou
do empresário Ricardo Young, dono da rede Yázigi, uma das maiores
franquias de inglês do mundo. Young é vereador eleito pelo PPS e amigo
de outro empresário com pretensões políticas, Steven Eriksen Binnie, o
Estevão, natural de Orlândia, homem de confiança do pastor Feliciano e
um de seus principais apoiadores financeiros. Estevão foi diretor-geral
do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, fundado por Catherine
Young, mãe de Ricardo. Em 2010, Estevão tentou sem sucesso chegar à
Assembleia Legislativa com o PPS. Conseguiu pouco mais de 38 mil votos. À
Justiça Eleitoral, ele declarou um patrimônio de R$ 22,8 milhões.
ISTOÉ procurou Marina Silva por meio da assessoria de imprensa, mas não obteve resposta até o fechamento da edição.
Fonte: Revista ISTOÉ - N° Edição: 2270
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