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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Eleições 2014: Governadores blindados. OAB quer julgamentos

Seis chefes de Executivos estaduais estão com processos criminais parados no Superior Tribunal de Justiça. Resultado das urnas muda personagens, mas mantém a situação de impunidade que a OAB tenta derrubar no Supremo 

 Em 11 anos, só o senador licenciado Ivo Cassol (PP/RO) teve a autorização para ser julgado. Ele foi condenado.

Governadores eleitos em 24 unidades da Federação podem conseguir bem mais que um mandato de quatro anos. Graças a Constituições estaduais, vão obter uma “blindagem” contra processos criminais a que respondem. Hoje, seis governadores já estão protegidos de nove ações penais simplesmente porque deputados estaduais não autorizaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a continuar os processos. Esse número vai subir, conforme levantamento feito pelo Correio com base em dados dos tribunais superiores, dos resultados eleitorais e da Ordem dos Advogados do Brasil.

O problema é antigo. Desde 2003, 22 governadores de 15 estados já se beneficiaram de alguma forma da “blindagem” oferecida por uma ampla base aliada nas Assembleias Legislativas. Quarenta e seis processos criminais foram para a geladeira ou tiveram de esperar o mandatário sair do Palácio, segundo o levantamento do jornal. Há acusações graves, como desvio de dinheiro e corrupção, mas também disputas políticas que envolvem querelas com adversários e crimes de opinião. Os governadores escaparam do STJ até mesmo de ser eventualmente absolvidos. Em algumas ocasiões, os processos saíam do STJ porque os políticos alternavam entre cargos públicos a cada eleição e, ao final, acabaram prescritos.

Em 11 anos, só um caso teve a autorização de deputados estaduais para ser concluído e resultou em condenação. Os parlamentares de Rondônia autorizaram o processo contra Ivo Cassol (PPS) motivado por fraude em licitações quando ele era prefeito de Rolim de Moura (RO), entre 1998 e 2002. Ele se tornou senador e a ação foi para o Supremo Tribunal Federal. No STF, Cassol foi condenado em 2013 a quatro anos e seis meses de prisão em regime semiaberto mais multa.

Para o presidente da OAB, Marcus Vinícius Coêlho, a quantidade de ações paradas revela a impunidade. É necessário destravar o andamento dos casos. “À medida que o processo penal tem uma tramitação mais célere, é um fato para combater a impunidade”, afirmou. A entidade entrou com 18 ações contra a blindagem há dois anos.

Os protegidos

Hoje, estão com processos “congelados” no STJ os governadores reeleitos do Paraná, Beto Richa (PSDB), e o de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Na mesma situação estão chefes do Executivo em fim de mandato, os governadores do Ceará, Cid Gomes (Pros), do Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB), do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), e de Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB).

A assessoria do STJ informou ao Correio que a Ação Penal 687, que envolve o governador Beto Richa, é uma das nove que não podem ser processadas pela Corte porque os deputados estaduais do Paraná não responderam ao pedido do tribunal. Apesar disso, a assessoria do governador afirmou que o caso “já foi resolvido administrativamente”. “Trata-se de uma verba de R$ 100 mil do Fundo Nacional de Saúde para uma obra da prefeitura de Curitiba. O valor já foi restituído com a devida correção.”

Richa pede cautela quando o assunto é acabar com a blindagem de governadores, como propõe a OAB. “A legislação sempre deve ser modernizada, mas é preciso haver algum tipo de cuidado em relação aos processos judiciais contra governantes para que a liberação total desse procedimento não se transforme em uma indústria de ações, principalmente por motivação política”, informou a assessoria de Richa.

Proteção para todos até 2001

A “mordaça” vivida hoje pelo STJ reproduz o mesmo problema que sofria a Corte máxima brasileira até 2001, quando o Supremo Tribunal Federal era impedido de processar ministros, deputados e senadores sem autorização do Congresso. A situação só se reverteu com uma mudança na Constituição. De 1988 a 2001, só 21 parlamentares foram alvo de algum processo. Quando a regra mudou, o STF recebeu uma enxurrada de denúncias. No ano passado, eram 524 inquéritos e ações criminais em andamento contra 224 parlamentares. As primeiras condenações e absolvições surgiram a partir de 2010.

Entenda o caso

Governadores só podem ser processados criminalmente no Superior Tribunal de Justiça, por causa do foro privilegiado.

Além dessa garantia, na maioria dos estados, é preciso que os deputados estaduais autorizem a continuidade dos processos.

O Ministério Público abre inquéritos contra os governadores. Quando oferece denúncia ao STJ, o caso é enviado à Assembleia Legislativa.

Se os deputados aprovarem a continuidade do caso, a denúncia é analisada pelos ministros do STJ.

Se eles não responderem ao pedido ou negarem, o caso fica suspenso no STJ e os prazos de prescrição são suspensos.

Se o mandato do governador acaba, o processo volta para a primeira instância e passa a correr normalmente.

Na prática, os processos “sambam” do STJ para outros tribunais, porque os governadores encerram os mandatos depois viram senadores, deputados ou ficam sem cargo. Esse vai e vem faz voltar a correr os prazos de prescrição e muitos casos acabam arquivados.

OAB quer julgamentos

A necessidade de pedido de autorização às Assembleias Legislativas é considerada mais uma engrenagem da impunidade brasileira para a OAB. Há dois anos, a entidade ajuizou 18 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal contra Constituições estaduais. Entretanto, até hoje a Corte não julgou nenhuma delas.

Na ação, os dirigentes da entidade questionam o uso que os chefes do Executivo estadual costumam fazer de amplas bases aliadas na Assembleia. “Acordos políticos para manutenção de uma certa governabilidade no Parlamento, lamentavelmente, têm permitido a impunidade de pessoas que usam prerrogativas públicas para beneficiar interesses privados”, acusa a OAB.

O presidente da entidade, Marcus Vinícius Coêlho, diz que os cidadãos precisam ter direitos e deveres iguais. E não é isso o que acontece. “Queremos que o governador responda ao processo como qualquer cidadão. Já tem o foro privilegiado no STJ e, além disso, ter a possibilidade de paralisar na Assembleia, me parece não ser republicano”, diz. “Todos devem ser responsáveis por seus atos”, destaca Coêlho. (EM)

Fonte: Correio Braziliense por Eduardo Militão & Carlos Moura/CB/D.A Press.

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