Seis
chefes de Executivos estaduais estão com processos criminais parados no
Superior Tribunal de Justiça. Resultado das urnas muda personagens, mas
mantém a situação de impunidade que a OAB tenta derrubar no Supremo
Em 11 anos, só o senador licenciado Ivo Cassol (PP/RO) teve a autorização para ser julgado. Ele foi condenado.
Governadores eleitos em 24 unidades da Federação podem conseguir bem
mais que um mandato de quatro anos. Graças a Constituições estaduais,
vão obter uma “blindagem” contra processos criminais a que respondem.
Hoje, seis governadores já estão protegidos de nove ações penais
simplesmente porque deputados estaduais não autorizaram o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) a continuar os processos. Esse número vai
subir, conforme levantamento feito pelo Correio com base em dados dos
tribunais superiores, dos resultados eleitorais e da Ordem dos Advogados
do Brasil.
O problema é antigo. Desde 2003, 22 governadores de 15 estados já se
beneficiaram de alguma forma da “blindagem” oferecida por uma ampla base
aliada nas Assembleias Legislativas. Quarenta e seis processos
criminais foram para a geladeira ou tiveram de esperar o mandatário sair
do Palácio, segundo o levantamento do jornal. Há acusações graves, como
desvio de dinheiro e corrupção, mas também disputas políticas que
envolvem querelas com adversários e crimes de opinião. Os governadores
escaparam do STJ até mesmo de ser eventualmente absolvidos. Em algumas
ocasiões, os processos saíam do STJ porque os políticos alternavam entre
cargos públicos a cada eleição e, ao final, acabaram prescritos.
Em 11 anos, só um caso teve a autorização de deputados estaduais para
ser concluído e resultou em condenação. Os parlamentares de Rondônia
autorizaram o processo contra Ivo Cassol (PPS) motivado por fraude em
licitações quando ele era prefeito de Rolim de Moura (RO), entre 1998 e
2002. Ele se tornou senador e a ação foi para o Supremo Tribunal
Federal. No STF, Cassol foi condenado em 2013 a quatro anos e seis meses
de prisão em regime semiaberto mais multa.
Para o presidente da OAB, Marcus Vinícius Coêlho, a quantidade de ações
paradas revela a impunidade. É necessário destravar o andamento dos
casos. “À medida que o processo penal tem uma tramitação mais célere, é
um fato para combater a impunidade”, afirmou. A entidade entrou com 18
ações contra a blindagem há dois anos.
Os protegidos
Hoje, estão com processos “congelados” no STJ os governadores reeleitos
do Paraná, Beto Richa (PSDB), e o de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Na
mesma situação estão chefes do Executivo em fim de mandato, os
governadores do Ceará, Cid Gomes (Pros), do Mato Grosso, Silval Barbosa
(PMDB), do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), e de Alagoas,
Teotônio Vilela (PSDB).
A assessoria do STJ informou ao Correio que a Ação Penal 687, que
envolve o governador Beto Richa, é uma das nove que não podem ser
processadas pela Corte porque os deputados estaduais do Paraná não
responderam ao pedido do tribunal. Apesar disso, a assessoria do
governador afirmou que o caso “já foi resolvido administrativamente”.
“Trata-se de uma verba de R$ 100 mil do Fundo Nacional de Saúde para uma
obra da prefeitura de Curitiba. O valor já foi restituído com a devida
correção.”
Richa pede cautela quando o assunto é acabar com a blindagem de
governadores, como propõe a OAB. “A legislação sempre deve ser
modernizada, mas é preciso haver algum tipo de cuidado em relação aos
processos judiciais contra governantes para que a liberação total desse
procedimento não se transforme em uma indústria de ações, principalmente
por motivação política”, informou a assessoria de Richa.
Proteção para todos até 2001
A “mordaça” vivida hoje pelo STJ reproduz o mesmo problema que sofria a
Corte máxima brasileira até 2001, quando o Supremo Tribunal Federal era
impedido de processar ministros, deputados e senadores sem autorização
do Congresso. A situação só se reverteu com uma mudança na Constituição.
De 1988 a 2001, só 21 parlamentares foram alvo de algum processo.
Quando a regra mudou, o STF recebeu uma enxurrada de denúncias. No ano
passado, eram 524 inquéritos e ações criminais em andamento contra 224
parlamentares. As primeiras condenações e absolvições surgiram a partir
de 2010.
Entenda o caso
Governadores só podem ser processados criminalmente no Superior Tribunal de Justiça, por causa do foro privilegiado.
Além dessa garantia, na maioria dos estados, é preciso que os deputados estaduais autorizem a continuidade dos processos.
O Ministério Público abre inquéritos contra os governadores. Quando
oferece denúncia ao STJ, o caso é enviado à Assembleia Legislativa.
Se os deputados aprovarem a continuidade do caso, a denúncia é analisada pelos ministros do STJ.
Se eles não responderem ao pedido ou negarem, o caso fica suspenso no STJ e os prazos de prescrição são suspensos.
Se o mandato do governador acaba, o processo volta para a primeira instância e passa a correr normalmente.
Na prática, os processos “sambam” do STJ para outros tribunais, porque
os governadores encerram os mandatos depois viram senadores, deputados
ou ficam sem cargo. Esse vai e vem faz voltar a correr os prazos de
prescrição e muitos casos acabam arquivados.
OAB quer julgamentos
A necessidade de pedido de autorização às Assembleias Legislativas é
considerada mais uma engrenagem da impunidade brasileira para a OAB. Há
dois anos, a entidade ajuizou 18 Ações Diretas de Inconstitucionalidade
(Adins) no Supremo Tribunal Federal contra Constituições estaduais.
Entretanto, até hoje a Corte não julgou nenhuma delas.
Na ação, os dirigentes da entidade questionam o uso que os chefes do
Executivo estadual costumam fazer de amplas bases aliadas na Assembleia.
“Acordos políticos para manutenção de uma certa governabilidade no
Parlamento, lamentavelmente, têm permitido a impunidade de pessoas que
usam prerrogativas públicas para beneficiar interesses privados”, acusa a
OAB.
O presidente da entidade, Marcus Vinícius Coêlho, diz que os cidadãos
precisam ter direitos e deveres iguais. E não é isso o que acontece.
“Queremos que o governador responda ao processo como qualquer cidadão.
Já tem o foro privilegiado no STJ e, além disso, ter a possibilidade de
paralisar na Assembleia, me parece não ser republicano”, diz. “Todos
devem ser responsáveis por seus atos”, destaca Coêlho. (EM)
Fonte: Correio Braziliense por Eduardo Militão & Carlos Moura/CB/D.A Press.