Hélder Barbalho
O bimotor King Air prefixo PT-OZP pousou no aeroporto de Paragominas,
região nordeste do Pará, num domingo. Seu passageiro mais ilustre, o
ministro da Agricultura, Antonio Andrade, chegava para participar de uma
feira agropecuária. Produtores, criadores, prefeitos, deputados e até o
governador do Estado, Simão Jatene (PSDB), esperavam Andrade para a
solenidade em que ele anunciaria oficialmente que a região fora
considerada zona livre da febre aftosa. Notícia alvissareira. Caía um
obstáculo para os criadores da região venderem sua carne. Andrade fez a
viagem de Belém a Paragominas no avião das empresas do senador Jader
Barbalho, seu colega de PMDB. Mas Jader não estava. Quem acertou a
viagem do ministro e o levou até Paragominas foi Hélder Barbalho, filho
de Jader e pré-candidato a governador do Pará na eleição deste ano.
Na política, ele é apenas Hélder – o sobrenome Barbalho não é muito
citado. Mas a associação é inescapável. As sobrancelhas de taturana que
quase formam um vértice no meio, a voz e o jeito de falar são herança de
Jader Barbalho. Hélder, de 34 anos, tem o estilo de discursar do pai.
“Se você fechar os olhos, acha que está ouvindo o Jader”, diz o senador
Flexa Ribeiro (PSDB/PA). Aos 10, 12 anos, ou “desde criança pequenina”,
como diz, Hélder acompanhava o pai e a mãe, a deputada Elcione
Barbalho, a reuniões políticas, encontros partidários e ouvia discursos.
Hélder é o escolhido para manter a família Barbalho no exercício do
poder pela terceira geração.
Como ele, outros herdeiros disputarão cargos neste ano. Em Roraima, a
continuidade dos Jucás está encaminhada. Rodrigo Jucá, de 32 anos, filho
do senador Romero Jucá (PMDB), será o vice na chapa do candidato ao
governo Chico Rodrigues (PSB). Hélder e Rodrigo dispõem de todos os
instrumentos que a política brasileira contemporânea exige para serem
eleitos. Seus pais acumularam patrimônio econômico, empresas na área de
comunicação e o controle do poder regional de seu partido. Assim, eles
têm dinheiro, acesso privilegiado a doadores de campanha, exposição
garantida e tapete vermelho na estrutura partidária. Basta aproveitar.
Todos os dias, às 9 horas da manhã, milhares de paraenses ouvem a voz
de Hélder pela rádio Clube, a emissora AM de maior audiência do Pará –
uma das oito rádios dos Barbalhos, que ainda têm quatro retransmissoras
de televisão e um jornal. “Participe, ligue pra gente, converse com todo
o Estado do Pará, fale aquilo que você deseja. Que o Pará lhe escute,
que o Brasil lhe ouça!”, diz Hélder na abertura do Programa do Hélder,
retransmitido por emissoras de todo o Estado. Hélder começou a carreira
de radialista em março do ano passado, dois meses depois de deixar o
cargo de prefeito de Ananindeua. A estreia foi precedida por uma
campanha publicitária feita pela rádio e pela RBA, um dos canais de
televisão da família Barbalho. Durante uma hora, Hélder apresenta um
programa de utilidade pública, com repórteres que trazem notícias de
todo o Pará. “Quando deixei a prefeitura, tomei a decisão de fazer um
programa informativo para ter oportunidade de conversar com o Pará”, diz
Hélder. No programa de 6 de janeiro, durante 13 minutos, um repórter
relatou como uma erosão derrubou casas e deixou 30 famílias desabrigadas
em Abaetetuba. Outro assunto foi a remoção de famílias de um bairro de
Belém, por causa das obras de duplicação de uma avenida. Sobre essa
notícia, Hélder fez o seguinte comentário: “A obra foi paralisada pelo
atual governo. Com a paralisação, a população, sem saber o que iria
acontecer, acabou invadindo o residencial Liberdade. O que me parece que
está se passando com o governo é que está chegando a eleição e aí bate o
desespero de quem está no mandato e não tem o que mostrar, e aí começa a
fazer as coisas de afogadilho”. Hélder se manterá no rádio até o início
da campanha eleitoral. “Se isso vai me dar retorno eleitoral, só no
futuro vamos ver. Espero que dê”, afirma Hélder.
Além da uma hora diária no ar, o programa promove o evento “Programa do
Hélder no meu bairro”, que oferece serviços de exames médicos simples,
dentistas, atendimento jurídico e emissão de documentos, como carteira
de trabalho, certidão de nascimento, e até cortes de cabelo. Como
vice-presidente do PMDB, Hélder ainda visitou 18 cidades com o evento “O
que o Pará quer”. Nessas visitas, Hélder ouve prefeitos, faz um
discurso e abre espaço para perguntas. Os prefeitos costumam alugar
ônibus para levar cidadãos e formar uma claque. Em novembro, o
Ministério Público Federal do Pará apresentou uma ação em que pede que o
PMDB paraense perca 47 minutos de tempo de propaganda partidária. De
acordo com a representação, o partido fez campanha antecipada a favor de
Hélder em seu programa de novembro.
Até o final de 2012, os Barbalhos faziam parte do governo do tucano
Simão Jatene. No segundo semestre de 2013, Jader acertou com o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o acordo pelo qual Hélder será o
candidato do PMDB ao governo, com apoio do PT. Em troca, o candidato da
chapa ao Senado será Paulo Rocha, um ex-deputado que se livrou no
julgamento do mensalão. História semelhante aconteceu em 2010, com os
partidos invertidos. Os Barbalhos saíram do mal avaliado governo da
petista Ana Júlia Carepa para apoiar Simão Jatene.
Hélder é a terceira geração da família na política. Seu avô, Laércio
Barbalho, foi cassado pela ditadura militar em 1964, após uma curta
carreira como deputado estadual pelo Partido Social Democrático (PSD). O
revés provocou a primeira transição familiar na política. Três anos
depois, seu filho Jader Barbalho, então com 23 anos, elegeu-se vereador
em Belém pelo MDB. Jader decolou. Foi deputado federal, governador do
Pará em dois mandatos, duas vezes ministro no governo do presidente José
Sarney e senador. Hélder começou a carreira em 2000, como vereador,
quando o pai viveu seu apogeu como presidente do Senado. No ano
seguinte, no entanto, Jader despencou: renunciou ao mandato de senador,
acusado de desvios no Banpará. No ano seguinte, Jader foi preso pela
Polícia Federal, acusado de fraudar empréstimos concedidos pela Sudam,
responsável por financiar projetos capazes de desenvolver a Amazônia.
Jader voltou em 2006 como deputado federal e hoje é um silencioso
senador, que só pronunciou um discurso em dois anos.
Hélder executou uma trajetória de saltos rápidos. Para evitar a disputa
mais difícil em Belém, optou por ser candidato em Ananindeua, na região
metropolitana – a segunda maior cidade do Pará. Venceu três eleições
entre 2000 e 2004 – para vereador, deputado estadual e prefeito (por
dois mandatos). Não esqueceu a família quando foi prefeito. Em 2012,
inaugurou o Conjunto Jader Barbalho, na periferia de Ananindeua. A placa
de inauguração foi descerrada pelo próprio homenageado e, para não
deixar dúvidas, tinha uma foto de Jader. Sua administração começou – e
abandonou – a construção de um estádio de futebol na cidade. No ano
passado, o Ministério Público do Pará o denunciou à Justiça por ter
deixado de passar R$ 1,8 milhão ao fundo de pensão dos funcionários da
prefeitura. Hélder ampliou o número de funcionários contratados sem
concurso, parte deles por indicação política. Segundo o IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 2009 e 2012 o número de
comissionados cresceu 38% – subiu de 2.939 para 4.056.
Aos 32 anos, com um mandato incompleto de deputado estadual e uma
carreira bem mais curta que a de Hélder, Rodrigo Jucá (PMDB) será
candidato a vice-governador de Roraima. A chapa que tem o apoio de 18
partidos. Advogado formado em Brasília, criado entre Boa Vista e
Brasília, Rodrigo não é um fenômeno da política. A aliança tão ampla é
produto da articulação de seu pai, o senador Romero Jucá (PMDB).
Ex-líder dos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma no Senado, Jucá é
um desses fenômenos capazes de produzir arranjos políticos aparentemente
impossíveis no Congresso Nacional. Em Roraima, seu domínio desde a
década de 1980, o trabalho é bem mais simples.
EM FAMÍLIA
Rodrigo Jucá (na foto maior) e seu pai, Romero (no detalhe). Rodrigo é
secretário de Educação da prefeita Tereza Surita, ex-mulher de Romero
Jucá
No início das conversas, o próprio Romero Jucá era o preferido como
candidato. Mas ele prefere ficar no Senado. Sugeriu, então, o filho.
Rodrigo mora em Roraima há mais de dez anos. Foi superintendente do
Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa) por
quatro anos. “Ele acompanhou minha vida”, diz Romero Jucá, o pai. “Pedi a
ele que, em vez de entrar mais cedo, fosse se formar para ter lastro,
para exercer mandato depois.” Em 2010, Rodrigo foi eleito deputado
estadual, o segundo mais bem votado do Estado. “Entrei na política com
28 anos, não precipitei”, diz Rodrigo. “Quando senti que não seria
artificial, fui candidato.” Rodrigo foi deputado durante dois anos. Mas a
Assembleia Legislativa roraimense tem problemas. Alguns deputados que
lá exercem seu mandato foram alvo da Polícia Federal na Operação
Gafanhoto, em 2004 – que apurou um desvio de mais de R$ 200 milhões pela
contratação de funcionários fantasmas em Roraima. No ano passado,
Rodrigo pediu licença do mandato para assumir o cargo de secretário de
Educação da prefeitura de Boa Vista, a capital do Estado. A prefeita é
Tereza Surita, ex-mulher de Romero Jucá.
Nos registros, apesar da pouca idade, Rodrigo é um empresário de
sucesso, sócio de seis empresas e com um patrimônio de R$ 3,6 milhões.
Na verdade, nada é dele. Os bens foram repassados para seu nome pelo
pai. Em sua declaração de bens, apresentada em 2010, Romero Jucá ficou
apenas com R$ 600 mil. Como o colega Jader Barbalho, Jucá acumulou um
patrimônio considerável em sua vida política. Tem várias empresas, entre
elas rádios e retransmissoras de televisão em seu Estado. Parte dessas
empresas, como a Buritis Comunicações, que administra rádios e TVs, está
em nome de Rodrigo. Como Hélder, Rodrigo tem tudo isso a seu favor para
atuar na política. “Seria hipocrisia minha dizer que não ajuda (o fato
de ser filho de Jucá). Muitos só usufruem a condição familiar; outros
são comprometidos com a política. Depende como você conduz sua
carreira”, diz Rodrigo. “Acho que minha geração tem a obrigação de
trabalhar pela modernização da política.”
No ano passado, Romero Jucá lançou o movimento Roraima Forte, uma
maneira de arregimentar apoio à aliança. Apesar de apoiar o governo
Dilma, em seu Estado o aliado preferencial do PMDB de Jucá é o PSDB do
governador José de Anchieta Júnior. Incansável, Jucá participou de
eventos do Roraima Forte pelo Estado. Com Rodrigo, foi a festas
folclóricas em Iracema, São Luís e Rorainópolis. A campanha em Roraima
pode ser mais emocionante do que isso. Na última, em 2010, um
colaborador da campanha de Jucá jogou um pacote com R$ 100 mil pela
janela do carro quando percebeu que era seguido por um carro da Polícia
Federal. Outro, em Mucajaí, foi preso com R$ 80 mil em espécie.
Em início de carreira, Hélder Barbalho e Rodrigo Jucá podem analisar a
trajetória de outros herdeiros anteriores para planejar seu futuro. Um
exemplo à mão é o da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, também do
PMDB, também aliada de Dilma. Como ambos, Roseana herdou do pai, o
ex-presidente José Sarney, a veia política. Como Hélder e Rodrigo, a
família de Roseana tem emissoras de rádio e televisão. Roseana foi
deputada, senadora e hoje é governadora do Maranhão. Foi candidata a
presidente da República em 2002, mas desistiu quando a Polícia Federal
apreendeu R$ 1,3 milhão em dinheiro vivo numa de suas empresas. Roseana
está em seu terceiro mandato como governadora. Há um mês, seu governo é
lembrado no país todo pelas execuções macabras no presídio em condições
pré-históricas de Pedrinhas. Seu governo teve R$ 22 milhões para
construir três presídios – mas, por falta de projetos, perdeu direito a
usufruir essa verba do governo federal.
É um caso a ser estudado com afinco.
Fonte: Revista Época - Por Leandro Loyola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário