Análise acerca da manutenção de mandato de Deputado condenado pelo STF
Em
meio aos acontecimentos sociais torna-se cada vez mais latente a
necessidade de esclarecimento acerca de alguns conceitos básicos e sobre
os quais se debruçam os Tribunais e os cidadãos.
Recentemente,
a Câmara dos Deputados decidiu manter nos quadros da Casa um indivíduo
condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 13 anos de prisão. A grosso
modo pode-se dizer que, fora mantido no emprego um empregado que se
encontra preso, condenado sem que atualmente esteja sob o regime de
suspensão de execução da pena. Às vistas de tal fato, pergunta-se: Onde
foi parar a isonomia?
Não
se fala aqui da isonomia utópica, onde todos são exatamente iguais, mas
da isonomia principiológica, do espírito da lei, daquela efetivamente
buscada nos ideais de justiça de pacificação social, aquela vinculada à
Constituição Cidadã. A isonomia ligada ao ser, à razoabilidade , ou seja
aquela de fácil entendimento de qualquer jurisdicionado, a que não o
faça se sentir excluído ou desigual. A isonomia vinculada ao senso
comum, seja qual for a atividade profissional ou nível intelectual de
seu observador.
Explica-se.
A Constituição da República Federativa do Brasil, carinhosamente
denominada pelos seus estudiosos de Constituição Cidadã dispõe em seu
artigo 5º , abrindo o capítulo atinente aos direitos e deveres
individuais e coletivos que “ Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes
termos:”, e, após, tece 78 incisos pormenorizando o pensamento resumido
no citado caput. Para que não reste dúvidas, logo no inciso I esclarece
que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”
Note-se
que a Lei Maior, ao explanar acerca da igualdade, afirma que esta é
dirigida ao ser humano, o titular e ao mesmo tempo destinatário na
norma, aos homens e mulheres, brasileiros ou estrangeiros residentes no
país. Não poderia ser mais clara.
No
entanto, passados quase 25 anos de sua edição e chegando o seu
aniversário, a realidade social demonstra que sua amplitude ainda não se
encontra totalmente compreendida. Se todos são iguais, dentro de uma
visão macro, devem ter tratamento igualitário , ou no mínimo semelhante
às vistas do caso em concreto. Porém, não é o que se verifica em alguns
escandalosos casos concretos, até porque se diferente fosse, não seria
um “ escandaloso caso concreto”.
O
povo, através das urnas elegem seus representantes. Desta forma, elegem
aqueles que o representarão. Conferem poder para que alguém exerça algo
em seu nome. Relembrando, no artigo 1º parágrafo único da Constituição
Federal está esclarecido que “ Todo poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”. Buscando uma forma simples de entender, tal fato ocorre
quando alguém faz uma procuração conferindo poderes para que outro
exerça um direito em seu nome, como por exemplo, confere poderes para
representar junto a um órgão público e proceder a transferência de um
veículo. É como uma procuração passada a um despachante para atuar junto
ao Detran. Assim, os nobres Deputados , senadores e demais titulares de
cargo eletivo são representantes, portadores de procuração individual
de cada um que nele votou.
Uma
vez eleitos e diplomados em seus cargos, verifica-se o verdadeiro
contrato mediante o qual o representante deve constituir a vontade do
titular do direito: o povo. Assim, aqueles escolhidos, que passaram pelo
processo de seleção prévia após apresentação de seus currículos, vão
iniciar a sua atividade laboral, ou seja, vão iniciar em seu emprego
junto à Casa legislativa para a qual foram eleitos. Trabalharão
juntamente com outros tantos que também passaram por processos
seletivos: concurso de provas e títulos. Assim, dentro desta grande
empresa que é a Casa Legislativa buscarão a melhor forma de atender aos
interesses daqueles empregadores que representam, ao menos é o que deve
ocorrer.
Partindo-se
do conceito de uma grande empresa, pode-se fazer equiparação a uma
sociedade anônima , onde conjugam várias empresas (Estados Federados)
também compostas por vários acionistas (população), representadas por
seus diretores (Deputados). Como todo contratado, tais representantes
percebem remuneração como contraprestação de seu trabalho. Entabula-se
portanto algo semelhante a uma relação de emprego. E neste ponto pode-se
fazer o paralelo entre esta relação de emprego e as demais.
Se
estivéssemos falando de uma empresa privada, seus representantes
empregados seriam regidos pela CLT, seja qual fosse o porte da
empregadora, uma microempresa ou uma multinacional.
Os
empregados celetistas, e até mesmo os empregados públicos, devem
cumprir com suas obrigações posto que o contrato é bilateral. A falta de
cumprimento da obrigação de qualquer das partes configuram lesão ao
interesse do outro e podem ensejar em último caso o fim do contrato. Em
análise quanto ao término do contrato este pode se dar por um motivo
justo ou por um motivo injusto, que a lei denominou de rescisão sem
justa causa ou rescisão por justa causa.
As
causas que se constituem justas para o fim da relação de emprego são
várias, e estão instituídas em disciplinamentos jurídicos diversos e
inclusive em Convenções Coletivas de Trabalho. Existem porém as
legalmente básicas, insertas no próprio texto da CLT, especificamente no
artigo 482 da lei. No que tange à análise ora posta, podemos destacar,
transcrevendo trechos do citado artigo sem exaurí-lo:
“ Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a)ato de improbidade,
b) incontinência de conduta ou mau procedimento,
c)
negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do
empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a
qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
Desta
forma, incidindo o empregado em qualquer das faltas acima, a empresa
terá um justo motivo para demiti-lo, retirá-lo de seus quadros sem que
lhe pague indenizações que seriam devidas em outro tipo de rescisão. Os
motivos legais são claros e justificáveis por não atender tais posturas
ao interesse de qualquer empresa ou ainda por serem posturas que
demonstram o desinteresse do empregado no trabalho, ou sua
incompatibilidade, como por exemplo desídia, a concorrência interna e a
prisão.
Voltando
ao paralelo apresentado, a grande empresa do povo representada por seus
“diretores” contratados, analisar um dos funcionários procurou fazer um
paralelo deste funcionário com os interesses da empresa? Fosse uma
empresa particular , o ato de improbidade, a desídia, a negociação
habitual ou corrupção e a condenação criminal com cumprimento de pena
autorizariam o fim da relação laboral, ou seja, de trabalho?
A
decisão de ontem demonstrou que um dos interesses e meta desempenho
desta grande empresa, qual seja a isonomia , não é aplicada. Se
estivéssemos tratando de uma empresa particular, certamente a demissão
ocorreria, e por uma justa causa. Porém, no caso em apreço não foi o que
ocorreu. Seria por ausência de legislação expressa autorizando o ato?
Farta de dispositivos atinentes a improbidade ou ausência de princípios
lógico constitucionais? O que faltou neste Estado Democrático de
Direito, onde as leis também foram deitas pelos representantes deste
poder popular?
Em
uma análise macro acerca do princípio da isonomia e aplicando-se antiga
uma regra interpretativa analógica, o que se observou foi que a
igualdade caiu por terra. A constituição se tornou letra morta. Temos
seres humanos superiores , que não necessitam se submeter dispositivos
legais, mesmo que na ausência de motivo que justifique sua exclusão.
Um
cidadão empregado com condenação criminal transitada em julgado que
esteja preso perde seu emprego. O improbo, o desidioso e o corrupto
também. Permitir que outro cidadão em igualdade de procedimentos
permaneça com sua qualidade de empregado é agir com isonomia? Na
realidade é sobrepor este cidadão em especial a um patamar superior ao
princípio legal.
Cabe
agora aos donos desta grande Empresa chamada Brasil analisar
cuidadosamente a qualidade dos serviços que estão sendo prestados por
seus funcionários contatados nos atuais cargos de direção, observando se
estão seguindo os regulamentos desta empresa, comumente chamados de
legislação federal , e ainda se há interesse na mantença ou substituição
de seu quadro de pessoal. Fica o alerta.
Fonte: Jane Nunes - Advogado e Professora de Direito do Trabalho

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