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sábado, 14 de setembro de 2013

Responsabilidade civil dos responsáveis por perfis falsos em redes sociais

As redes sociais fazem parte do novo modelo de relacionamento interpessoal. Não existe contato pessoal, é tudo virtual, exceto as ofensas e violações de direitos, estas reais e extremamente danosas à honra e dignidade dos ofendidos. No Distrito Federal, nos últimos meses, muito se discute acerca da existência de perfis falsos que foram criados com o fim exclusivo de ofender a honra de pessoas honestas e trabalhadoras. O propósito do presente texto não é identificar os “fakes” ou analisar com qual objetivo – espúrio – os falsos perfis foram criados. O escopo do texto é analisar as consequências que devem ser suportados pelos criadores e pelas pessoas que alimentam o conteúdo de falsos perfis.

As próprias empresas que hospedam conteúdo na internet, para não se verem obrigadas a indenizar por atos de terceiros, têm facilitado a identificação dos que se utilizam de perfis falsos.

No recente caso ocorrido em Brasília, os alimentadores, gerenciadores e idealizadores dos falsos perfis, que ficaram conhecidos como “fakes” tinham por motivação ofender os que criticavam uma determinada autoridade política.

Todos que participaram da sanha difamatória são responsáveis pelos crimes contra a honra que foram cometidos e ao que se tem notícia foram muitos os crimes. Todos os que foram partícipes da trama dos “fakes” também podem vir a ser responsabilizados civilmente.

Como estamos falando de ofensas aos direitos da personalidade e a regra abraçada pelo Código Civil é da culpa como pressuposto da responsabilidade, é preciso que se demonstre a culpa de quem de alguma foram utilizou ou se envolveu na sórdida trama. Tal prova é fácil, pois quem se vale de uma identidade – ainda que virtual – falsa age, sem dúvida, com dolo, muito mais do que a simples culpa.

São espécies de ofensa aos direitos de personalidade os agravos à honra, à imagem, à intimidade, ao recato e à tranquilidade social e familiar. As ofensas ganham em gravidade, pois são retransmitida a um sem número de pessoas em questão de instantes. É fato notório que o Facebook, Twitter, e outras redes sociais são utilizados por substancial percentual das pessoas, com destaque à sua capacidade de disseminação de ideias em curto espaço de tempo.

Os tribunais brasileiros, cada dia com maior frequência, estão de deparando com  o tema. Em decisão tomada no dia 27 de junho de 2013, por exemplo, o TJRS condenou uma pessoa que se utilizava de redes sociais para ofender a terceiros a indenizar por danos morais. Confira:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. PUBLICAÇÃO DE TEXTOS EM REDE SOCIAL, COM IMPUTAÇÃO DE CRIMES FUNCIONAIS À AUTORA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Incontroverso nos autos que o requerido publicou diversos textos na internet, criticando a atuação da autora enquanto servidora pública, inclusive com menção de que estaria em conluio com outras pessoas com intuito de lucro, o que implica imputação de crime funcional, com nítida intenção de ofender-lhe a honra, estão configurados os danos morais, que são presumidos na hipótese, dispensando comprovação específica. Direito à livre manifestação do pensamento que deve ser compatibilizada com outros direitos fundamentais, dentre os quais a imagem, honra e dignidade alheias. Condenação mantida. Quantum indenizatório. Redução. Na fixação da reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima. A análise de tais critérios, aliada às demais particularidades do caso concreto, conduz à redução do montante indenizatório fixado para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros legais, conforme determinado no ato sentencial. Apelação do réu parcialmente provida. Recurso adesivo prejudicado. (TJRS; AC 146454-85.2013.8.21.7000; Caxias do Sul; Décima Câmara Cível; Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz; Julg. 27/06/2013; DJERS 23/07/2013)

O mérito da decisão acima mencionada é que a condenação alcançou o autor das ofensas. E é bom que assim seja. As empresas que hospedam conteúdo só devem ser condenadas caso instada a excluir as ofensas ajam com lentidão ou não façam a exclusão dos agravos à honra da rede mundial de computadores. A lei deve alcançar os ofensores, àqueles que se escondem por detrás dos falsos perfis.

E na internet a realidade cada vez mais é da disseminação das ideias, especialmente quando alicerçadas em teorias conspiratórias, em desvios praticados por ocupantes de cargos públicos, mesmo sem o maior controle e conhecimento de quem vai repassando aquilo de que fica sabendo. As vítimas dos “fakes” não possuem meios de se defender.

A gênese dessa compreensão (de que a liberdade da internet facilita o compartilhamento de informações) é positiva, permite a democratização e difusão de ideias, e não deve ser objeto de restrição abstrata e genérica, mas de controle pontual, diante dos abusos que eventualmente forem cometidos. A lei precisa ser aplicada com rigor, pois os “fakes”, além de ofenderem a honra de pessoas que muitas vezes se veem indefesas, maculam o ideal de democratização e difusão da informação.

Hoje em dia, com a velocidade com que as informações transitam pela rede mundial de computadores, uma vez lançada uma ofensa, torna-se quase impossível excluí-la da internet.

A responsabilidade dos que idealizaram, financiaram, gerenciaram e alimentaram os falsos perfis é manifesta, especialmente diante do caráter ultrajante e pejorativo das palavras utilizadas pelos “fakes”. É nítido que possuíam intenção de ofender a honra das pessoas que elegiam como alvo. O dolo, a vontade livre e consciente de ofender, se manifesta pelo simples fato de terem se valido de perfis falsos, com a ignóbil intenção de ocultar a própria identidade.

A livre manifestação do pensamento não é princípio absoluto, devendo ser ponderado e compatibilizado com outros direitos fundamentais previstos na Carta Magna, dentre os quais o direito à honra, imagem e dignidade de terceiros.  Deve, ainda, ser lembrado que o anonimato é expressamente vedado pelo sistema constitucional vigente.

Daí por que deve o direito coibir de forma firme e consistente condutas como a dos responsáveis pelos “fakes”, em que violado direito alheio.

O dano moral, no caso, se mostra in re ipsa, o qual se presume, conforme as mais elementares regras da experiência comum, prescindindo de prova quanto à ocorrência de prejuízo concreto.

No ensinamento de Rui Stoco (in Tratado de Responsabilidade Civil Doutrina e Jurisprudência - 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011, p. 921) tem-se a compreensão da desnecessidade de prova, quando se trata de dano moral decorrente de ofensa à honra:

Não há calúnia, difamação ou injúria sem que o comportamento ultrajante tenha poder de atingir a honra e a imagem da pessoa, como partes substanciais do direito de personalidade. Ofender a honra é o mesmo que ofender a mora ou o patrimônio subjetivo da pessoa. E, nesse caso, basta comportamento ultrajante para caracterizar a ofensa moral, independentemente de qualquer comprovação. [...]

Então, o dano moral é decorrência lógica da ofensa à honra, dispensa comprovação, ou seja, emerge in re ipsa do agravo sofrido e será sempre devido.

Mas não é nem preciso o recurso da presunção. As aleivosias propaladas pelos “fakes” ganharam grande repercussão no seio social, tanto que, ao que constam de vários sites de notícias, até a Polícia Federal investiga o caso.

As condenações indenizatórias precisam ser fortes, de modo que os responsáveis e participantes da trama sintam-se penalizados e inibidos de reincidir na deplorável atitude. Neste propósito, impõe-se que as indenizações que vierem a ser fixadas atentem às condições do ofensor, dos ofendidos e do bem jurídico lesado (honra e direito à verdade), assim como à intensidade e duração do sofrimento das indefesas vítimas, e à reprovação da conduta do agressor (que confunde a sociedade e dissemina a perfídia e a mentira), não se olvidando, contudo, que o ressarcimento da lesão ao patrimônio moral deve ser suficiente para recompor os enormes prejuízos suportados pelos ofendidos, ainda que sem importar em enriquecimento.

A dúplice natureza da indenização por danos morais vem ressaltada na percuciente lição de Caio Mário, citado por Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil:

“Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II, n.176), na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I - punição ao infrator por haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo da vingança” (in: Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.108/109, grifei).

Se as notícias de que os “fakes” foram patrocinados com recursos públicos, ainda que por via indireta, a condenação deve ser mais vigorosa, além da punição por improbidade administrativa e penal. Também se deve cogitar a possibilidade de reparação por danos morais coletivos.

Danos morais coletivos sim, porque os “fakes” disseminam a falsidade e a mentira, suprimindo da sociedade um direito importantíssimo, o direito à verdade. A mentira é a ofensa mais direta à verdade. Mentir é falar ou agir contra a verdade para induzir em erro. Ferindo a relação do homem com a verdade e com o próximo, a mentira ofende a relação fundante do homem com o seu semelhante. Uma “pequena mentira”, por exemplo, entre marido e mulher pode ser o suficiente para quebrar todo o vínculo familiar.

A culpabilidade do que profere a mentira é maior quando a intenção de enganar acarreta o risco de consequências funestas para aqueles que são desviados da verdade. Um segundo de mentira pode estragar horas e dias de verdade, eis o potencial lesivo da conduta de mentir.

A mentira (por ser uma violação da virtude da veracidade) é uma verdadeira violência feita ao outro porque o fere em sua capacidade de conhecer, que é a condição de todo juízo e de toda decisão. Contém em germe a divisão dos espíritos e todos os males que ela suscita. A mentira é funesta para toda a sociedade; mina a confiança entre os homens e rompe o tecido das relações sociais. A mentira é um ato biltre. Os homens não poderiam viver juntos se não tivessem confiança recíproca, quer dizer, se não manifestassem a verdade uns aos outros. A vida com mentira é abjeta, é vil, biltre, enfim.

É fácil perceber que o desserviço prestado pelos “fakes” causa um prejuízo, um dano, que transcende a pessoa dos ofendidos direitos. Em tal situação, os danos morais podem e devem ser cobrados em seu aspecto moral. Aqui se fala em condenação que pode superar milhões de reais.

Concluindo, a responsabilidade civil de todos que participaram da trama dos “fakes” é inequívoca e deve ser firme e rigorosa, pois as mentiras não ofenderam apenas as vítimas e seus familiares, atingiram toda a sociedade. Não importa a serviço de quem os fakes tenham agido, devem ser rigorosamente punidos.

Fonte: Blog Saber Melhor / Edson Sombra.

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