ACESSOS

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Cassação de Raad Massouh avança

A Comissão de Ética da Casa aprova relatório que aponta quebra de decoro do distrital. Antes da votação, Massouh entregou à Polícia Civil gravações e denunciou suposta extorsão com tentativa de venda de votos pela sua absolvição 

O relatório votado ontem destaca que Raad Massouh (E) influenciou na retirada do delegado Flamarion (D) do comando das investigações
 
O destino do distrital Raad Massouh (PPL) está selado. Por quatro votos favoráveis e uma abstenção (leia quadro), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa autorizou, ontem, o encaminhamento do processo de cassação por quebra de decoro contra o parlamentar ao plenário da Casa. Os integrantes do colegiado aprovaram o relatório de Joe Valle (PSB), que viu conduta inadequada do colega acusado de participar de um suposto esquema de desvio de recursos de uma emenda de R$ 100 mil, em 2010. O caso agora vai para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que vai avaliar apenas aspectos formais e tem cinco sessões para dar o seu parecer. Quando o processo chegar a plenário, se 13 dos 24 deputados entenderem que houve quebra de decoro, Raad perde o mandato. Será a terceira vez que a Casa vai analisar pedido de cassação de um distrital.

De acordo com o relatório, baseado em investigações policiais e do Ministério Público, Raad teria controlado uma “empreitada criminosa” na Administração Regional de Sobradinho para favorecer uma empresa de realização de eventos, a MCM, criada legalmente a apenas seis dias do primeiro show na área rural da cidade, em outubro de 2010. Ainda que o projeto básico previsse que todo o recurso da emenda, de autoria de Raad, seria para pagar os cantores, eles receberam apenas R$ 31 mil. De acordo com os investigadores, R$ 18 mil foram para o promotor do evento e R$ 47 mil pararam na conta do Sindicato de Turismo Rural de Sobradinho.

Conforme o Correio antecipou ontem, outro ponto que pesou no parecer de Joe foi a tentativa de interferência de Raad no afastamento do delegado Flamarion Vidal, então titular da Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública (Decap), que estava à frente do caso. Segundo o relatório, o distrital afrontou princípios do Código de Ética da Câmara e também a Lei Orgânica do DF. “Resta inconteste que se encontram presentes elementos caracterizadores de conduta incompatível com a ética e com o decoro parlamentar”, diz trecho do documento de 171 páginas.

A sessão de ontem foi tensa. No fim da manhã, antes da votação do relatório, Raad procurou a Polícia Civil do DF e registrou uma queixa de tentativa de extorsão. Ele contou ao diretor-geral da corporação, Jorge Xavier, e depois ao delegado Luís Alexandre Gratão, do Departamento de Polícia Especializada (DPE), ter sido procurado por um pastor de Sobradinho que lhe pediu R$ 1,3 milhão e depois R$ 2,7 milhões para que o processo fosse arquivado. O religioso estaria falando em nome dos deputados Dr. Michel (PEN), presidente da comissão, Joe Valle e Agaciel Maia (PTC), titular do colegiado.

Raad contou que vem sendo procurado desde o último dia 8 e que gravou várias conversas, por telefone e externas, que resultaram em mais de duas horas de áudio. Ele entregou as provas ontem à polícia e já tinha feito o mesmo com relação ao Ministério Público, onde se reuniu com a procuradora-geral de Justiça, Eunice Carvalhido, no último dia 13. “Eu não aceitei a extorsão e até pedi segurança policial para mim e para minha família”, disse. No entanto, ele ressaltou que não acredita que nenhum dos deputados citados estejam envolvidos na tentativa de suborno. 

Ira dos colegas 

O fato veio à tona justamente na data da apresentação do relatório e provocou a ira de parte dos colegas da comissão. Patrício (PT) estranhou que a denúncia tenha sido divulgada a poucas horas da leitura do relatório. Já Dr. Michel disse que não é corrupto e que Raad deveria ter mandado prender o pastor que foi pedir dinheiro em seu nome. A denúncia pegou de surpresa Agaciel Maia. Após a leitura do documento elaborado por Joe, ele disse que se sentia decepcionado e tentou fazer a defesa do acusado — mais tarde, mudou a posição. “Fiquei um pouco decepcionado com o relatório, porque achei que iria trazer alguma prova cabal”, disse.

As insinuações de Agaciel provocaram a fúria de Joe Valle. Ele destacou que as provas estão nos autos de mais de 3 mil páginas. “Não se pode tratar o recurso público como se fosse seu. Se (o deputado) pressiona para colocar em outro lugar de forma ilícita, não interessa se esse dinheiro foi para conta de A, B, C ou D… Ele foi desviado de forma ilícita”, disse. Raad afirmou estar tranquilo quanto à sua inocência. A defesa dele insiste que o parlamentar não pode responder pelos atos do ex-administrador regional Carlos Augusto de Barros, responsável pela festa.
 
Documento produzido por Joe Valle cobra postura firme dos colegas em relação às denúncias contra Raad
 
Cronologia

No centro da investigação 

2010 

O deputado distrital Raad Massouh (PPL) virou alvo de investigação em outubro de 2010. Às vésperas da eleição, a Polícia Civil do Distrito Federal recebeu denúncia sobre supostas irregularidades na aplicação de recursos públicos em uma festa rural de Sobradinho. O dinheiro para a promoção do evento — R$ 100 mil — foi liberado após emenda aprovada pela Câmara Legislativa, de autoria do próprio Raad.

O evento que está no centro da polêmica foi realizado em 1º de outubro de 2010, às vésperas das eleições. A festa, cujo projeto básico era para acontecer em dois dias, com cinco atrações e para um público de cerca de 10 mil pessoas, ocorreu em apenas um dia e para cerca de 100 pessoas, com a apresentação de apenas duas bandas. 

2011 

A verba foi repassada à administração regional da cidade, então chefiada por Carlos Augusto Barros. Ele era amigo pessoal e foi indicado ao cargo pelo distrital. Tão logo foi instaurado o inquérito, os investigadores apontaram que parte dos recursos teria sido desviada para beneficiar aliados do parlamentar. Em julho de 2011, a Polícia Civil deflagrou a Operação Bragi II. O desfecho do inquérito foi o indiciamento de Raad e mais 36 pessoas por delitos como desrespeito à Lei de Licitações, peculato (crime cometido por servidor público) e lavagem de dinheiro. 

2012
 
 
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) também investigou a denúncia contra o deputado. Em novembro de 2012, foi deflagrada a Operação Mangona (nome que faz alusão a uma espécie de tubarão). Nessa fase, a Justiça autorizou a quebra de sigilos fiscal, bancário e telefônico dos envolvidos.

A Procuradoria-Geral de Justiça do DF também denunciou Raad e outras nove pessoas pelos mesmos crimes do indiciamento policial. Por ter foro privilegiado, o distrital terá o caso analisado pelo Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT). A relatora do processo, a desembargadora Sandra de Santis, ainda não se posicionou sobre o assunto.

Na esfera política, a Câmara Legislativa começou a analisar uma representação pedindo a cassação de Raad, no fim do ano passado. Na mesma época, o documento foi acatado pela Mesa Diretora. 

2013 

Em abril deste ano, a Corregedoria da Câmara Legislativa votou pela abertura de procedimento por parte da Comissão de Ética. O colegiado aprovou o relatório do corregedor, deputado Patrício (PT), em maio, e Joe Valle (PSB) foi sorteado como relator. O parecer de Joe, em favor da cassação do colega, passou ontem pelo Conselho de Ética. 

Caso segue para a CCJ 

A previsão inicial era que o relatório apenas fosse lido ontem e não fosse votado pela Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. No entanto, o relator, Joe Valle, disse que o assunto já vem provocando desgastes e solicitou que tudo fosse resolvido. Agora, a análise está sob responsabilidade da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “Se recebermos essa semana, na próxima terça, já vamos sortear o relator. Não deve demorar. Não avaliamos o mérito. O que verificamos é se o procedimento seguiu o regimento interno e os preceitos constitucionais”, disse Chico Leite (PT), presidente da CCJ.

Ainda não há previsão de data para o caso de Raad Massouh ir a plenário da Câmara. Se o documento passar pela CCJ, a Mesa Diretora decidirá quando incluir o assunto na ordem do dia para votação. Para que o distrital perca o mandato, são necessários os votos favoráveis de pelo menos 13 deputados. Raad já garantiu ao Correio que, caso a análise de sua situação chegasse à instância legislativa final, não entrará com pedido judicial para que o voto fosse secreto.

O Legislativo local é o único do Brasil a adotar o modelo de voto aberto. Ainda assim, dos dois casos de deputados cassados no DF até hoje, a ex-distrital Eurides Brito conseguiu na Justiça que a votação, ocorrida em junho de 2010, fosse fechada. Ela era acusada de integrar um suposto esquema de pagamento de mesada a parlamentares pelo governo em troca de apoio político na Casa. Antes disso, o primeiro caso de cassação envolveu Carlos Xavier, em agosto de 2004. Ele foi acusado de ordenar o assassinato de um adolescente supostamente identificado como amante de sua ex-esposa. A votação, na época, era secreta. (AM).

Fonte: Correio Braziliense - Por Almiro Marcos

Nenhum comentário:

Postar um comentário