PEC prevê redução de poder de fiscalização de obras do tribunal
O ex-presidente da Câmara dos
Deputados, Marco Maia (PT/RS) foi um dos procurados pela associação
Empreiteiras bancaram a contratação de um escritório de advocacia para
elaborar o texto de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
limita a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável
por fiscalizar os repasses de dinheiro público a empresas de
infraestrutura.
Um forte lobby no Congresso, com o propósito de cercear o
poder de fiscalização do TCU, é conduzido pela Associação Nacional das
Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor), uma das principais entidades que
têm contato direto com deputados e senadores em Brasília.
Emissários da Aneor identificaram os parlamentares dispostos a encampar
a PEC que cria o Conselho Nacional de Controle Externo do TCU,
colegiado cujos integrantes seriam, na maioria, indicados de pessoas
alheias ao tribunal. As empreiteiras preparam um projeto de lei com
novos parâmetros para o TCU fiscalizar obras públicas, tocadas pelas
próprias empresas.
Associação procura parlamentares
A Aneor contratou o escritório Mattos, Muriel e Kestener Advogados para
elaborar a PEC. O texto está pronto e a intenção era colocá-lo para
tramitar no primeiro semestre. Empresas, advogados e parlamentares
envolvidos foram surpreendidos pelos protestos nas ruas em junho, o que
adiou os planos.
O temor era que o Congresso repetisse o que fez com a PEC 37, uma
proposta que retirava do Ministério Público o poder de investigação.
Diante da pressão das ruas, 430 deputados votaram no plenário pelo
arquivamento da PEC 37, que havia sido aprovada com facilidade nas
comissões.
— Houve conversas com alguns parlamentares que se mostraram
interessados. São parlamentares de vulto dentro do Congresso, da
situação e da oposição, dispostos a levar o projeto adiante — diz a
advogada Mirian Lavocat, sócia do escritório contratado pela Aneor.
Lavocat não revela nomes de parlamentares. O GLOBO apurou que um dos
procurados foi o ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT/RS). Ele admite
ter se encontrado com representantes da Aneor, quando presidia a Câmara.
Diz desconhecer a proposta de criar o conselho, mas critica a ação do
TCU e frisa ser preciso “olhar com carinho” para o projeto
— Somos favoráveis a toda proposta para dar transparência, efetividade
às obras do governo. Não cabe ao TCU paralisar obras — afirma Maia.
Conforme os registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma das
empreiteiras com assento no conselho consultivo da Aneor doou R$ 50 mil
para a campanha do deputado petista em 2010. Maia diz ser comum a
apresentação de propostas por entidades empresariais e movimentos
sociais:
— Nenhum deputado tira um projeto de sua cabeça.
O GLOBO teve acesso a cópia do projeto. O Conselho Nacional de Controle
Externo seria composto por nove integrantes; sete não teriam nenhum
vínculo com o TCU: um deputado federal, um senador, um representante da
Advocacia Geral da União, um advogado e três “representantes da
sociedade civil”, indicados pela Câmara, pelo Senado e pela Presidência
da República. A presidência do colegiado caberia a um representante da
Câmara ou do Senado. O conselho analisaria a “efetividade” dos atos do
TCU. O Congresso poderá desconstituir a validade de decisões do
tribunal, “em caráter de urgência”, conforme o texto da PEC. A um
corregedor escolhido em votação secreta caberia averiguar denúncias
contra ministros, procuradores e auditores.
Festa de associação reúne parlamentares
Para comemorar 25 anos, a Aneor promoveu um jantar que reuniu
deputados, senadores e ex-ministros dos Transportes. O evento, no dia 5
de junho, aconteceu num tradicional espaço de festa em Brasília, e
serviu para o presidente da entidade, José Alberto Pereira Ribeiro,
criticar o “excesso de atribuições” do TCU.
O deputado federal Arnaldo Jardim (PPS/SP) esteve na festa. Em 2010,
ele recebeu para a campanha R$ 120 mil de uma das empreiteiras que
integram o conselho consultivo da Aneor. Jardim diz desconhecer o
projeto que cria o Conselho de Controle Externo:
— Não me pediram para apresentar a PEC.
Ex-ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos também foi ao jantar.
Indicado pela presidente Dilma para o cargo de diretor da Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), ele está em quarentena
remunerada:
— Comigo nada foi tratado. Achei que deveria prestigiar o setor, é natural, mas fiquei num canto, mais reservado.
Os deputados Sandro Mabel (PMDB/GO) e André Zacharow (PMDB/PR)
registraram em suas agendas o comparecimento à festa, mas dizem não ter
ido ao evento. Já o deputado Mauro Benevides (PMDB/CE) discursou sobre
os 25 anos da Aneor, no plenário da Câmara, mas nega ter participado do
jantar.
O presidente em exercício do TCU, ministro Aroldo Cedraz, critica
mudanças que “impliquem menor rigidez no controle dos gastos públicos”.
Em resposta ao GLOBO por e-mail, o ministro diz ser irreal a
interpretação de que o tribunal dificulta o andamento de obras públicas.
Apenas 0,6% dos contratos de obras rodoviárias receberam determinação
de restrição pelo TCU. “Muitas das paralisações decorrem de falhas no
planejamento ou falta de projetos.”
Cedraz diz desconhecer a PEC. No caso de propostas em curso, ele
sustenta que deve ser respeitada a independência dos tribunais. “Todas
as medidas que venham a fortalecer a atuação desses tribunais e fomentar
o controle social são sinais de amadurecimento da democracia.”
A Aneor confirmou a realização de estudos sobre o controle de obras
rodoviárias. “Esse novo estudo técnico, desdobramento do esforço
iniciado em 2009, ainda está em fase de produção e em nenhum momento foi
repassado a terceiros para qualquer tipo de ação. Todas as iniciativas
da Aneor passam pelo crivo de seu presidente, que é o único porta-voz da
entidade.” Sobre a festa, diz ter convidado parlamentares das comissões
de Transportes e de Infraestrutura.
Fonte: O Globo - Por Vinicius Sassine
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