Ruth de Aquino é colunista de ÉPOCA |
Esse título é uma provocação. Ou não. Porque, de fato, esse mineiro de
Paracatu, primogênito de oito filhos de um pedreiro e uma dona de casa,
está prestes a se tornar presidente, mas do Supremo Tribunal Federal.
Não escapará do rótulo de “primeiro presidente negro” do STF. É
inevitável. O adjetivo vem a reboque como verdade histórica, o registro
de uma primazia. O segundo negro se livrará desse aposto ambíguo. Um dia
não haverá mais “o primeiro negro” e “a primeira mulher”, porque a cor
da pele e o sexo perderão todo o significado. Felizmente.
Esse título é um “replay” de uma coluna que publiquei em ÉPOCA há cinco
anos. Reproduzo abaixo alguns trechos para reativar a memória dos
leitores e ver o que mudou e o que não parece mudar.
21/9/2007
“Esta não é uma campanha para eleger o ministro do Supremo Tribunal,
Joaquim Barbosa, presidente do Brasil em 2010. O juiz que se tornou o
símbolo do combate à corrupção e à impunidade teria primeiro de se
filiar a um partido. Precisaria também desejar muito ser presidente da
República. Teria de achar que serviria melhor ao país e à Justiça se
renunciasse ao Supremo. Sabe-se apenas que Joaquim Barbosa foi eleitor
de Lula, e que o PT não tem candidato à sucessão. Tudo isso não passa,
claro, de especulação - uma heresia para os políticos profissionais
encarapitados em suas mordomias e alianças em Brasília, à espera de uma
brecha para subir ao pódio. Como assim? Um juiz para presidente? Seria
uma piada, uma advertência ou a única saída? Colocar no Planalto, pelo
voto, alguém com absoluta integridade, sem espírito corporativo nem
vícios políticos e aparentemente sem chance de se deslumbrar com o
poder. Um homem que, como nosso atual presidente, veio de baixo, mas
domina vários idiomas, além do nosso, o português. (...) Ninguém ouviria
Joaquim Barbosa deblaterar contra a elite intelectual. Ele é parte
dela. Fez doutorado na França e escreveu livro em francês, depois de
estudar Direito nos Estados Unidos. (...) O Brasil fez história elegendo
um operário para presidente. Com Joaquim Barbosa, teria seu primeiro
presidente negro, que chegou aonde chegou sem o privilégio de nenhuma
cota racial. O ministro costuma dizer: (Sempre tive um norte: preciso
estudar. Eis aí um recado bem claro de qual seria a prioridade de
Joaquim Barbosa presidente. Uma incógnita: como alguém que sempre
trabalhou e estudou conviveria com um Congresso que trabalha quatro dias por semana? (...) Ao absolver Renan Calheiros em tenebrosas
transações, o Senado contribuiu para distanciar ainda mais a classe
política da população (...).”
***
O que mudou e o que não mudou?
Lula, o presidente carismático, continua com poder e seria injusto
chamá-lo de eminência parda. Quase mudo, por doença e estratégia, Lula
promete “iluminar o país de poste em poste”. É o “cara” por suas
qualidades de articulação, pelo tino político, por entender as
necessidades do povo e, talvez agora, da classe média emergente. Contra
todos os prognósticos, até do PT, Lula elegeu Dilma Rousseff presidente
da República e, em São Paulo, elegeu o novo Fernando Haddad com a ajuda
inestimável de um PSDB perdido e um Serra decadente. Não há mensalão que
arranhe o poder de Lula - até porque ele não se insurge contra as
sentenças do STF. Deixa o ringue para pesos leves, como o presidente do
PT, Rui Falcão, e para o companheiro Zé Dirceu, cujo destino mais
provável é o presídio de segurança máxima de Tremembé, no interior de
São Paulo. Dilma também se fecha para não aprofundar o abismo entre os
Poderes Executivo e Judiciário.
Joaquim Barbosa, prestes a ser empossado na presidência do Supremo, é
hoje muito mais famoso e aplaudido do que há cinco anos. É o “cara” por
sua impulsividade, franqueza, ética, determinação e luta contra a
impunidade. Joaquim fez exatamente o que a nação desejava e o ministro
Dias Toffoli critica: criou novos parâmetros para combater uma chaga
política, a corrupção. Devolveu à população a esperança de que tudo não
acabe sempre em pizza para os desvios dos poderosos. Provou que caixa
dois é crime. Joaquim está, hoje, deslumbrado com o poder. Espera-se
que, após a posse na presença de sua convidada mais ilustre, Dilma,
Joaquim assuma, sem perder o vigor e a sinceridade, uma postura mais
serena e conciliadora. É difícil. Será um aprendizado.
E o Senado? Cinco anos depois, os senadores mudaram: reduziram de
quatro para três os dias úteis na semana. Renan só espera o adeus do
vitalício José Sarney, que sairá sem revelar quanto ganha por mês.
Ungido por Dilma e Lula, Renan aguarda ansioso o momento maior de sua
reabilitação no pódio. Quanta hipocrisia no Legislativo...
Fonte: Revista ÉPOCA - Edição nº 757 - Por: Ruth de Aquino
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