O INEVITÁVEL Com o apoio do PT, Renan voltou à presidência do Senado, seis anos depois de deixar o posto pela porta dos fundos |
O Carnaval foi antecipado em uma semana no município de Murici, localizado a 40 quilômetros de Maceió (AL). Na sexta-feira 1o, o Senado Federal reconduziu seu filho mais pródigo, o senador Renan Calheiros (PMDB), a um papel de proa na política nacional. Com 56 votos, de um total de 78, o parlamentar alagoano foi alçado novamente à presidência do senado, seis anos depois de ter deixado o posto – o terceiro na linha sucessória da presidenta Dilma Rousseff – pela porta dos fundos, acusado de ter despesas pessoais pagas por uma empreiteira. Novamente detentor de muito poder, Renan personifica um perfil de político que a sociedade não tolera mais, mas a quem Murici presta seguidas reverências. Lá, como diria Manuel Bandeira, é a Pasargada de Renan e de seu clã, a família Calheiros, onde eles são mais do que amigos do rei. São os verdadeiros reis e seu reinado se estende há pelo menos 17 anos. Desde 1996, quando o irmão do senador Renan, Remi Calheiros, recuperou as chaves da prefeitura, a família Calheiros e o PMDB não perdem uma eleição sequer no município. Comandam Murici com mãos de ferro e ainda desfrutam do amplo apoio dos súditos foliões.
CIDADE NATAL Foliões na Praça da Matriz em Murici (AL), município comandado há 17 anos pelo clã Calheiros |
Não por acaso, confirmado o triunfo de Renan no Senado, foi possível escutar o barulho do espocar dos fogos de artifício na pacata cidade de 26 mil habitantes. A veneração ao clã Calheiros em Murici é cultivada à base de práticas explícitas de clientelismo. Em 2010, ano eleitoral, a casa da família de Renan, pertencente à matriarca Ivanilda, foi usada para cabalar votos em troca de favores e ajuda material. Enquanto, em um dos cômodos, pessoas treinadas preenchiam santinhos e ensinavam a votar nos Calheiros nas urnas eletrônicas, na cozinha outra equipe preparava comidas em imensas panelas para pessoas vindas de kombis e caminhonetes da periferia da cidade e zona rural. “É a hora de ganhar um troco e aliviar a situação em casa”, justifica um morador da cidade. A popularidade é confirmada no escrutínio das urnas. E também durante o Carnaval, quando Renan e família costumam atravessar uma multidão de foliões pintados de tinta em pó e desfilar em cima do trio elétrico no Bloco Tudo Azul, que se tornou uma das mais tradicionais manifestações da festa do momo em Alagoas. “O senador é ovacionado toda vez que comparece à festa”, admite José da Cunha, professor e morador de Murici.
Para Renan, o vale-tudo na tentativa de amealhar cada vez mais e mais poder trata-se de um ritual comum à arte da política. O problema é que o atual presidente do Senado extrapolou e muito os limites da pequena Murici. Nos últimos 25 anos, ampliou sua influência para toda a Alagoas – Estado em que hoje controla um quarto dos prefeitos. E, depois de conquistar pela primeira vez uma cadeira na Câmara Federal, em Brasília, ainda na década de 90, conseguiu integrar a base de apoio de todos os presidentes eleitos após a ditadura militar. De adversário político, virou líder do governo Collor, apoiou o processo de impeachment, comandou uma estatal no governo Itamar Franco, foi nomeado ministro da Justiça durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso e tornou-se, em 2003, um dos principais interlocutores de Lula no Congresso. Assim, pavimentou o caminho que o levou até o comando do Legislativo em 2005. Em 2007, Renan foi acusado de pagar pensão alimentícia a sua ex-amante Mônica Veloso, com quem teve uma filha, com recursos da empreiteira Mendes Júnior. Na semana passada, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, confirmou em denúncia apresentada ao STF que Renan “apresentou notas frias e documentos falsificados para justificar a origem dos recursos”. O senador responderá pelos crimes de peculato e falsidade ideológica. Diferentemente de agora, seis anos atrás, não restou outra saída a Renan senão renunciar ao posto de presidente do Senado. Conseguiu, no entanto, evitar a cassação do mandato em plenário e, mesmo longe dos holofotes, manter o prestígio.
Durante o recesso parlamentar deste ano, Renan reuniu prefeitos e parlamentares em seu QG de articulações políticas, a casa de praia, no município de Barra de São Miguel. De lá, costurou os últimos apoios para a eleição ao Senado. “Sair daqui de Alagoas e se tornar um líder político nacional não é por acaso. Renan se destaca entre os demais. Independentemente de agremiação partidária dos prefeitos, o senador consegue trazer recursos para todos os municípios alagoanos com mais facilidade”, diz o ex-deputado federal e prefeito do Pilar, Carlos Alberto Canuto (PMDB), um dos habitués dos convescotes de Renan. Em Maceió, cidade onde o senador alagoano mantém residência no apartamento 703 do Edifício Tartana, avaliado em R$ 2 milhões, a 50 metros da areia branca da Praia de Ponta Verde, seus correligionários e eleitores dizem que a receita do sucesso do senador é a presença certa em inaugurações de obras públicas bancadas com recursos federais ou fruto de suas emendas parlamentares. Um exemplo foi o novo Hotel Ponta Verde, na Praia do Francês, inaugurado no município de Marechal Deodoro. “Normalmente, o senador Renan não tem vida social. Sua vida social é a política. Seu lazer é visitar prefeitos e fazer política nos municípios do sertão ao litoral sul, nos fins de semana. Essa é a receita do sucesso que fez com que Renan ganhasse popularidade em Murici e aqui em Alagoas”, disse um ex-assessor.
Já o receituário para se ganhar eleição no Senado foi demonstrado na última semana, quando Renan desembarcou em Brasília. Mesmo debaixo de uma saraivada de denúncias, não se conteve em aplicar doses cavalares do mais puro fisiologismo para garantir sua vitória. Loteou cargos na Mesa Diretora e trabalhou internamente no PMDB para debelar um racha em torno da disputa pela liderança no Senado. O senador Romero Jucá (RR) ameaçou disputar a liderança do partido contra Eunício Oliveira (CE). Mas Renan agiu como manda o figurino no Senado. Garantiu a Segunda Vice-Presidência para Jucá e a crise foi estancada. O cargo havia sido oferecido ao PTB do senador Gim Argello (DF), mas o aliado aceitou ocupar a Segunda Secretaria. Será representado por João Vicente Claudino (PI). O senador também fez outros acenos importantes capazes de lhe assegurar a eleição. Por meio de emissários, prometeu não criar problemas para o governo. Como consequência, ganhou o apoio do PT. Coube ao senador tucano Aécio Neves entoar a voz do bom-senso: “O PMDB precisa criar facilidades para que possamos ter um nome que agregue todas as forças políticas do Congresso e o Senado inicie uma nova fase”, disse o político mineiro. Em vão. O Senado preferiu escutar as vozes do atraso. Enquanto isso, é Carnaval em Murici.
Fotos: ROBERTO CASTRO; JOSÉ FEITOSA
Fotos: Sergio Lima/Folhapress; reprodução
Fonte: ISTOÉ - Com reportagem de Matheus de Araújo, de Alagoas
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