O
militante de esquerda é o mauriçola gauche, é aquele tipo que se
traveste de ativista de passeata e gasta o seu tempo útil em
manifestações inúteis, no afã de exorcizar sua flacidez comportamental,
sua virgindade existencial, sua pequena farsa pessoal .
Músico Lobão |
Durante esses últimos anos, venho recebendo de parte da militância
petista uma série de adjetivações pretensamente desqualificadoras, que
poderiam ter algum efeito não fosse eu um cara desgrilado, um ser alegre
a cantar.
Mas, depois do lançamento do Manifesto do Nada na Terra do Nunca, a
petizada militante se enfureceu. Na verdade, antes mesmo de o livro
chegar às livrarias, houve quem clamasse pela sua proibição ou queima
imediata. A minha estreia como colunista de VEJA aumentou essa fúria,
que culminou em um ataque apoplético coletivo por ocasião da minha
participação no Roda Viva. Um ilustre deputado petista chegou a pedir a
cabeça do Augusto Nunes por ter convidado para o programa um “doente
mental” (eu).
E, com aquela falta de imaginação, de humor e de argúcia,
característica de certas mentes esquerdistas, puseram-se a vociferar
palavras de ordem e impropérios contra mim: “Reacionário!”, “filhinho de
papai!”, “coxinha!”. Isso para não citar os mais cabeludos (bicha,
maconheiro, cheirador, matricida, esquizofrênico...).
Mas vou concentrar a atenção no “coxinha”, que é o mais recente qualificativo do curto vocabulário dessa rapaziada.
Após esses mais de dez anos do PT no governo, a sociedade está
percebendo como se forma o aparato de repressão política, censura e
difamação montado pelo partido. Se você tem alguma objeção a ele, vira
um pária político, moído e asfaltado pela máquina de propaganda estatal,
cujos operadores — blogueiros e militantes de plantão na internet — se
encarregam do trabalho sujo, na forma de ataques pessoais e truculentos
disparados contra qualquer alma que se insurja contra a ideologia
oficial. A tática desses operadores é achincalhar o oponente baseados em
sua própria e nanica estatura moral.
O simulacro de impropério é construído em torno da miserabilidade do
ofensor, que, ofendido com a própria natureza, desanda a chamar os não
alinhados daquilo que mais enxerga em si mesmo, na vã tentativa de
escapar de sua jocosa e aflitiva condição. Sendo o grande alvo dessa
patocracia delirante a classe média — e sendo o militante de esquerda
uma espécie de burguês pós-moderno —, o xingamento “coxinha” aparece
como um desses casos de projeção psicológica flagrante.
O militante de esquerda é o 'Mauriçola Gauche', é aquele tipo que se
traveste de ativista de passeata e gasta o seu tempo útil em
manifestações inúteis, no afã de exorcizar sua flacidez comportamental,
sua virgindade existencial, sua pequena farsa pessoal. É invariavelmente
um “multiculturalista”, que acredita que um rap é superior a Bach. É o
sujeito moldado na previsibilidade comportamental dos doutrinados, que
expele seu déficit de percepção da realidade através da soberba
convicção dos imbecis. Refém da uniformidade acachapante dos clichês
entrincheirados em sua mente vacante, profere as frases mais gastas e
cafonas que se pode imaginar.
Para esse tipo de pessoa, tenho aqui um par de versos de Adam Mickiewicz (1798-1855) que cairá como uma luva:
“Tua alma merece o lugar a que veio
Se, tendo entrado no inferno, não sentes as chamas”.
Assim, convido todos aqueles que, como eu, são agraciados pela esquerda
com essas e outras adjetivações a acolhê-las com benevolência e humor,
com a percepção de estarmos sob a égide de frouxocratas histéricos que
teimam, em sua monomania vã e molenga, em nos assolar com seus fantasmas
internos e suas abissais impossibilidades.
E, usando o rebote como mantra, proferirei, contrito: coxinhas de todo o Brasil, uni-vos!
O cantor e compositor Lobão é colunista de VEJA.
Fonte: Veja.com.
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