Condenados
por participar do maior esquema de corrupção do Brasil, mensaleiros têm
alardeado que recorrerão à Corte na Costa Rica. Mas o provável é que
conseguirão criar um constrangimento ao país
STF discute cassação de deputados condenados pelo mensalão, em 10/12/2012 |
Desde que o veredicto do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a
condenação de 25 políticos e empresários por participação no esquema do
mensalão, os condenados, certos da ineficácia de recursos a serem
apresentados ao tribunal, têm alardeado que pretendem recorrer à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, com sede na Costa Rica. Na prática, é
mais uma tentativa de repisar a tese de que foram vítimas de um
julgamento político. Recorrer à Corte Interamericana para contestar a
validade do julgamento do mensalão é o que o meio jurídico costuma
chamar de jus sperniandi, ou o direito de reclamar, de espernear quando
não há nada mais o que possa ser refeito para evitar o cumprimento da
sentença - no caso de alguns mensaleiros, a prisão.
O próprio presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, resumiu a
ineficácia da medida: “É enganar o público leigo e ganhar dinheiro às
custas de quem não tem informação”. No Supremo, a avaliação dos
ministros é que as chances de os recursos dos condenados prosperarem são
praticamente nulas. No último dia 14 de março, o peruano Diego
García-Sayán, presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
esteve no Brasil e se encontrou com Barbosa. Em reunião com autoridades
do governo, como o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Diego Sayá
disse que a Corte Interamericana não substitui nem interfere na atuação
do Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio, Barbosa visitará a Corte
Interamericana.
Embora a Comissão Interamericana – instância preliminar de apreciação
dos pedidos – receba pedidos esdrúxulos, como a denúncia da Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) de que não
houve reajuste salarial à categoria, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos não pode ser considerada um “tribunal de apelação” contra
decisões do Executivo ou dos tribunais internos de cada país.
“A Corte Interamericana de Direitos Humanos não é uma quarta instância.
Lá não se pede a reanálise da dosimetria da pena para ver se houve ou
não acerto nos detalhes”, disse ao site de VEJA o advogado brasileiro
Roberto de Figueiredo Caldas, integrante da Corte. “Eventualmente ela
pode julgar uma questão que fira determinadas garantias, como o duplo
grau de jurisdição, por exemplo. Em tese é possível chegar à Corte algum
pedido de um condenado que não teve o devido processo legal”,
completou. Caldas prefere não comentar especificamente o mensalão, já
que o processo pode chegar à Corte e, neste caso, ele terá de se
pronunciar nos autos.
O ano de 2011 foi um dos que a Corte mais julgou casos novos: foram 23
processos. No ano passado, registrou praticamente a metade: apenas 12.
O deputado Valdemar Costa Neto (PR/SP), condenado a sete anos e dez
meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, foi o primeiro a
anunciar que buscaria uma intervenção da Organização dos Estados
Americanos (OEA) para sanar o que considerava a “injustiça” das
penalidades do mensalão. Mas, durante o julgamento no plenário do STF, o
ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que ao longo de todo o
processo deu as diretrizes da defesa dos mensaleiros, já estimava que a
Corte Intermericana deveria ser acionada.
O argumento central daqueles que pretendem recorrer à OEA – a lista
inclui o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente da Câmara João Paulo
Cunha, por exemplo – é que o STF não permitiu aos réus do mensalão ser
julgados em pelo menos duas instâncias. O chamado duplo grau de
jurisdição está no rol das garantias estabelecidas pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Mas o simples fato de o STF ter
decidido julgar de uma vez só políticos, empresários e assessores no
mensalão não é garantia de que o julgamento possa ser alvo de suspeita.
“A Corte não está acima do Supremo Tribunal Federal e tampouco é Corte
de revisão do STF”, avalia o jurista e professor Luiz Flávio Gomes, que é
favorável à estratégia dos mensaleiros. Para ele, no entanto, além do
questionamento sobre a ausência do duplo grau de jurisdição, os
mensaleiros condenados podem invocar outra suposta violação aos direitos
humanos: o fato de o ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão, ter
presidido a fase de investigação, ter autorizado grampos telefônicos e,
no final de todo o processo, ter atuado como juiz do caso. O precedente
estudado pela defesa dos condenados neste caso é conhecido como “Las
Palmeras”. Neste episódio, a Corte Interamericana condenou o governo da
Colômbia porque o juiz de um determinado processo era o mesmo que tinha
investigado o réu anteriormente.
O regimento interno do STF, porém, prevê exatamente que o relator do
processo precisa atuar desde a fase de investigação. O texto estabelece,
por exemplo, que “requerimentos de prisão, busca e apreensão, quebra de
sigilo telefônico, bancário, fiscal e telemático, interceptação
telefônica (...) serão processados e apreciados pelo relator”.
Embargos – Antes de os mensaleiros condenados efetivamente recorrerem à
arbitragem de Costa Rica, os advogados aguardam que os ministros do STF
analisem se é possível admitir os chamados embargos infringentes. Esses
recursos seriam utilizados no caso dos réus que tiveram pelo menos
quatro votos pela absolvição e poderiam provocar um novo julgamento do
condenado no plenário do STF. Se o tribunal aceitar a possibilidade
desse recurso, fica garantido o duplo grau de jurisdição e,
consequentemente, esvaziada a iniciativa de ir à Corte Interamericana.
"O argumento do duplo grau de jurisdição é praticamente a única
esperança nos réus na OEA", diz Luiz Flávio Gomes.
Dos 25 condenados, 12 deles contam com o mínimo de quatro votos pela
absolvição. É o caso, por exemplo, do trio petista formado pelo
ex-ministro José Dirceu o ex-presidente do partido José Genoino, e o
ex-tesoureiro Delúbio Soares no crime de formação de quadrilha; dos
banqueiros Kátia Rabello e José Roberto Salgado também por quadrilha; e
do deputado João Paulo Cunha por lavagem de dinheiro e por uma das
condenações de peculato.
Na hipótese de o Supremo não autorizar o uso de embargos infringentes
no mensalão, e de os réus recorrerem mesmo à Corte Interamericana de
Direitos Humanos, é certo que os sete juízes que têm assento no
colegiado não promoverão um novo julgamento sobre as responsabilidades
penais de cada mensaleiro. No limite, o colegiado, mesmo não revendo as
penas, poderia condenar o estado brasileiro por uma sentença que
supostamente violou os direitos humanos. Se penalizado, o Brasil seria
então obrigado a acatar o veredicto da Corte, sob pena de passar, nas
palavras de Roberto Caldas, pelo “constrangimento internacional” de ser
cobrado ano a ano pelo não cumprimento da determinação.
Entre os advogados que atuaram no julgamento do mensalão, o
entendimento é de que a Corte Interamericana tem um precedente similar
ao dos mensaleiros. O episódio julgado pelo colegiado é conhecido como
caso “Barreto Leiva versus Venezuela”. Nele, o político venezuelano
Oscar Barreto Leiva foi julgado na suprema corte do seu país por figurar
no mesmo processo em que o ex-presidente Carlos Andrés Pérez era réu.
Originalmente, Barreto Leiva não tinha direito ao foro privilegiado, e a
Corte determinou que a Venezuela realizasse um novo julgamento para
garantir o duplo grau de jurisdição. “A condenação proveio de um
tribunal que conheceu o caso em única instância e o sentenciado não
dispôs da possibilidade de impugnar a sentença condenatória”, disse a
Corte no caso Barreto Leiva.
Até hoje, porém, o novo julgamento não foi realizado e, em uma queda de
braço com a Comissão e a Corte Interamericana, a Venezuela denunciou,
em setembro do ano passado, a Convenção Americana de Direitos Humanos à
OEA. A medida abre espaço para que o governo de Caracas não esteja mais
sob a jurisdição do órgão.
O Brasil na Corte – Um dos casos mais emblemáticos de condenação do
governo brasileiro foi o da biofarmacêutica Maria da Penha Fernandes. Na
sentença, a Corte Interamericana condenou a tolerância do estado
brasileiro, que por mais de 15 anos não processou nem puniu Marco
Antônio Viveiros, acusado sistematicamente de violência doméstica. A
condenação do Brasil por negligência e omissão motivou a criação da Lei
Maria da Penha.
Em dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
novamente condenou o governo brasileiro, desta vez por não ter
trabalhado pela localização dos restos mortais dos desaparecidos
políticos da Guerrilha do Araguaia e por não ter punido os responsáveis.
A sentença de condenação, que também inclui a aplicação de multas,
extrapola, porém, o caso do Araguaia. O colegiado também decidiu que a
Lei da Anistia não poderia servir como argumento para impedir a
investigação e a punição de responsáveis por violações aos direitos
humanos. Hoje a Corte monitora as providências tomadas pelo governo
brasileiro. A instalação da Comissão Nacional da Verdade e a entrada em
vigor da Lei de Acesso à Informação, por exemplo, são consideradas
apenas “instrumentos colaterais”.
Atualmente a Comissão Interamericana, com sede em Washington (EUA), que
realiza uma espécie de triagem dos casos que devem ser remetidos à
Corte, analisa as condições de instalação da usina hidrelétrica de Belo
Monte, no Pará. Em meados de 2011, o colegiado chegou a pedir que o
governo brasileiro suspendesse a obra, mas reviu a decisão em seguida.
Fonte: Veja.com - Por Laryssa Borges
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